domingo, 29 de outubro de 2017

PORQUE AMANHÃ É DOMINGO


AOS DOMINGOS íamos - o pai, a mãe e eu - almoçar a casa dos avós maternos que ficava para perto do largo da Graça, num rés do chão esquerdo, alto porque a rua era bem inclinada mas o prédio não. 
A viagem de eléctrico só valia a pena sentado no banco dos 'palermas', aquele banco junto à plataforma, com costas para a janela; eu ficava a olhar para quem estava no banco em frente; rostos silenciosos e inexpressivos; se olhavam para mim, escolhia entre um cândido sorriso e uma careta mais azeda conforme a cara do interlocutor me agradava ou não. 
Uns respondiam; outros, continuavam 'palermas'. 
A minha mãe que temia estas terríveis falhas na educação do 'isso parece mal', repreendia-me com um olhar furioso, enquanto o meu pai disfarçava um sorriso, escondido atrás do Diário Popular, com as notícias da véspera.
À tarde, depois do almoço,- sempre bacalhau cozido naquela enorme travessa de cavalinho verde esborratado, as batatas e feijão frade, ai feijão frade e ai batatas que me salvavam - se o tempo o permitia, o passeio até ao miradouro da senhora do monte. 
E era então que o meu avô me sentava no colo e conforme lhe ia apontando o casario, os barcos no rio, o castelo, o mosteiro, a sé catedral, o terreiro do paço, contava-me sempre qualquer história relacionada com ele.
Estava uma manhã de Sol quando me vi sentado no colo do meu avô, num banco de jardim virado para o rio, a ouvir-lhe curioso a história; mas tudo se evaporou quando acordei na obscuridade do quarto...
Da próxima vez que for a Lisboa, vou passar por lá!

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

E CONNOSCO FOI MAIS OU MENOS ISTO...

O CONDADO PORTUCALENSE foi a prenda do casamento de Henrique de Borgonha com Teresa de Leão, filha de Afonso VI de Leão e Castela. 
Henrique um cruzado que viera ajudar cristãos das Vascongadas e Astúrias contra os infiéis de Tarik, o Brilhante; além de ter sido heroicamente premiado ainda se apaixonou por Teresa, a filha mais nova do rei e foi assim que chegou a Conde de Portucale. Davam-se todos tão bem que Afonso Henriques teve o nome do avô materno e Henriques, filho de Henrique, claro.
Ainda que sob a tutela do pai, Teresa era mulher decidida e acabou por tomar conta do condado quando em 1112, o marido morreu. 
Mas, Teresa também era jovem e viúva ardente. 
Sentindo-se só, já que o jovem Afonso andava a aprender a ser gente com o fiel Egas, com os Invernos gelados e a cama fria, acabou por piscar os dois olhos a Fernando Peres, um galego de Trava, com o qual desejava juntar os trapinhos.
Mas o príncipe Afonso Henriques, então com 18 anos, é que não gostou nada da história e com mais uma rapaziada amiga revoltou-se, e em São Mamede depois dado uma carga de porrada nas forças que o padrasto juntara, ainda segundo rezam as crónicas mais ousadas deu, pelo menos, uma chapada na mãe, uma falta de respeito que lhe valeu a fúria de uma data de gente à volta.
Mas, Afonso declarou o território independente e durante 14 anos, foi raro dia em que não houve zaragata com galgos, leoneses, castelhanos, e Afonso VII, primo direito de Afonso Henriques, que estando pelo lado da tia, nem queria ouvir falar dele quanto mais de independências.. 
Até que a 5 de Outubro de 1143 em Zamora, cansados de tanta treta e ainda por cima com os mouros à perna, lá se entenderam para fazerem paz e como selar melhor esse entendimento senão dar a independência, sob os auspícios do enviado papal, o Cardeal Guido de Vico?. Afonso radiante com o desfecho, logo pôs bandeira em Guimarães embora só em 1179, com a bula 'Manifestis Probatum', o papa Alexandre II tivesse reconhecido com efeitos retroactivos a independência da nova nação PORTUCALE.

COMO POSSO NÃO SIMPATIZAR com a causa 'catalana' e a sua (perigosa) coragem de quererem a independência se já lutam por ela há quase tantos anos como Afonso Henriques lutou pela nossa? 
E também não me esqueço que foi graças a eles que em 1640 nos libertámos dos espanhóis...não fora Filipe IV andar às voltas com os independentistas de Catalanya e ter desviado para lá as tropas que estariam destinadas a vir até cá subjugar-nos e hoje talvez ainda fôssemos uma 'Andaluzia' ao alto!
Pelo menos não sou ingrato!

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

CRÓNICA DO DOMINGO 'NUNCA MAIS'!

Martin Luther King disse: 'Começamos a morrer no dia em que permanecermos em silêncio sobre o que é importante".

O meu país deixou de ser uma mancha verde junto ao mar para se tornar numa nódoa cinzenta, um manto negro de luto e de revolta. 

A destreza da comunicação social, capaz de nos por em casa, em directo, as imagens mais violentas de uma tragédia anunciada; imagens de gente que sofre num caldeirão de medos desmedidos e de emoções incontroláveis; imagens de gente que se defende do fogo que tudo consome, com a coragem de saber que não pode contar com mais ninguém senão com as suas próprias forças; imagens de centenas animais que morreram num purgatório de fogo assassino; imagens de paredes negras, restos de casa e coisas que ficaram para atestar a passagem das chamas; imagens de zonas industriais onde armazéns de empresas são uma amálgama de ferros retorcidos e mais paredes negras e máquinas destruídas; imagens, outra vez, de mais carros que arderam; imagens, outra vez, de mais estradas invadidas pelas chamas e por um calor de crematório; imagens de funerais de vítimas, mais 42 a juntar às 64 de há 4 meses; imagens de um cenário por onde parece ter andado uma guerra, pior que guerra dos homens, que em guerras onde entra a natureza raramente o homem tem vitória.

Imagens de um país que se vai consumindo em fogo, num só dia!

Trágico e revoltante. Porque recordamos que tantos foram avisos de vozes e porque percebemos, rápida e convenientemente esquecidas, afogadas nas políticas corruptas e incompetentes ao serviço do compadrio e do amiguismo, da submissão ao negócio de uma teia de interesses instalados; do desleixo de muitos e da ausência de muitos mais; da rendição aos ditames de um espartilho financeiro capaz de subverter os interesses superiores do Estado e do colectivo do país. 

Por isso, também todos temos uma parte, pequena que seja, na responsabilidade e na culpa, mas somos assim: mais vale fazer de conta. Se calhar até não vai dar em nada!
Mas deu! Desta vez deu! Outra vez! Já tinha dado no incêndio de Pedrogão quando a estrada da morte colocou uma dose de terror no calor da discussão. 

Não me deixa menos revoltado o facto de agora tudo desabar num governo quando vejo e oiço, na oposição a hipócrita gritaria e o cobarde esquecimento das culpas que também tem no cartório. E, não são pequenas..
É certo que o governo andou mal. Porque foi incompetente ao desmobilizar prematuramente a estrutura de combate a incêndios, como se incêndios obedecessem a decretos numa necessidade de poupar euros e de salvaguardar défices; depois por proferir declarações arrepiantes de frieza e de falta de humildade. 
Amanhã, um conselho de ministros extraordinário vai analisar o tal relatório da comissão independente de Pedrogão, apresentar medidas, definir prioridades, proceder a indemnizações. É bom que o faça. Só que tudo o resto que está por fazer (e é tanto) não pode ser deixado à espera que o tempo se encarregue...

Este Domingo, nunca mais!