quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O fim (da crise) do senhor Álvaro

O senhor Álvaro resolveu antecipar o fim da crise com um prognóstico de homem com certezas absolutas e que raramente se engana. Já tivemos um assim que agora é presidente da república. Mas também já tivemos outro assim, tentado à adivinhação e que acabou traído por um gesto grosseiro, em plena assembleia.
Mas, o senhor Álvaro, para que não restasse qualquer dúvida, ele próprio o declarou no Parlamento e, disse-o com aquele ar solene, contido e sereno que costuma utilizar mesmo quando as suas palavras constituem um exercício de arrojada falta de senso e de indisfarçável arrogância – o ano de 2012 vai ser o ano do fim da crise!
Sinceramente que fiquei estarrecido. Por ser um céptico militante em relação a toda esta panóplia de austeridade que a troika (de lá) ‘negociou com a troika (de cá) e que o actual governo tem afirmado, desde sempre, querer ir ainda mais além e porque se primeiro duvidei do meu próprio aparelho auditivo depois, na certeza de ter ouvido perfeitamente bem o senhor Álvaro, resolvi ir ao dicionário saber o significado da palavra crise não fosse a crise ser outra coisa qualquer. E fui.
E encontrei o seguinte: crise, tem origem no grego ‘krisis’; como substantivo feminino significa mudança brusca que se produz no estado de um doente e que se deve à luta entre o agente infeccioso e as forças de defesa do organismo; também, manifestação violenta, repentina e breve de um dado sentimento, entusiasmo ou afecto (crise de gargalhadas; crise de arrependimento). Em sentido figurativo significa momento perigoso ou difícil de uma certa evolução ou processo e, ainda, período de desordem acompanhado de busca penosa de uma solução; conflito, tensão, carência, penúria, deficiência, decadência ou queda; crise económica, ruptura periódica do equilíbrio entre produção e consumo, que traz como consequências: desemprego generalizado, falências, alterações dos preços e depreciação dos valores circulantes; crise ministerial, período intermediário entre a dissolução de um governo e a formação de outro em regimes parlamentares.
Como o óbvio é que o senhor Álvaro se terá referido ao fim da crise económica pois de outra não poderia, em bom juízo, estar a falar, de estarrecido passei a embasbacado. Então o senhor Álvaro declara que 2012 será o fim da crise? Como é isto possível? Portugal que já está em recessão técnica há quatro trimestres consecutivos, ou seja desde Outubro do ano passado, sai da crise precisamente no ano em que terá um crescimento negativo (segundo os optimistas) de 2,9%?
Eu compreendo que o senhor Álvaro, tendo chegado do Canadá, não conheça a nossa realidade; até entendo que o senhor Álvaro sendo um teórico neoliberal do género ‘boy de Chicago’, entenda que a panaceia de todos os males está nesta política do ‘quanto pior melhor’ ou seja que para se tornar são primeiro é preciso matar o doente; ainda percebo que depois de ter escrito um livro – Portugal, na hora da verdade, como vencer a crise nacional – queira fazer jus ao receituário; ainda percebo que ao senhor Álvaro lhe calhou uma pasta maldita pois Economia e Emprego é nos tempos que correm, um ministério amaldiçoado; ainda me esforço por compreender que foi talvez a necessidade que sentiu de ripostar aos números apresentados pelo INE, a propósito do deslizamento prós infernos de uma depressão capaz dos piores indicadores económicos, desde 1976.
Todavia já não entendo que o senhor Álvaro não tenha bom senso nem outra qualidade preciosa, que este governo anunciou ser um indefectível ‘proprietário’, que é a de falar verdade.
Por isso, considero extremamente grave que num momento em que já existem tantas famílias em dificuldade e outras tantas já insolventes, tantas empresas em dificuldade e muitas outras a deitarem contas à vida – nomeadamente no sector da restauração que vai ser duramente atingido com o aumento de IVA – e que muitas mais, famílias e empresas dificilmente atravessarão 2012 sem verem agravadas, de forma definitiva, as suas já precárias condições de sobrevivência que o senhor Álvaro tenha a desfaçatez da bazófia, o desplante da afirmação gratuita, a insensata tentação de cair no ridículo, a afronta suprema de desafiar a inteligência dos portugueses.
Por isso, me parece que ao senhor Álvaro, também lhe pareceu que a idiota expressão tinha de ser corrigida rapidamente e, no final da sessão, perante os microfones e as câmaras da comunicação social, desmentiu-se a ele próprio – eu não disse o fim da crise mas sim o princípio do fim da crise – num malabarismo de mal disfarçado arrependimento.  
Por isso, também me parece que o senhor Álvaro, caso não tome mais cuidado e persista com este género de afirmações patéticas, acabará por acertar no fim, mas sem mais nada à frente, porque será o seu.