Senhor Primeiro Ministro,
Confesso que estive até ao último segundo para me decidir a sintonizar um dos canais que iria transmitir a comunicação aos portugueses, que o senhor entendeu reservar para as dezoito e trinta, como reacção ao acórdão do Tribunal Constitucional.
Acabei por ceder à tentação mesmo correndo o risco de um 'déjá vu'.
E, se alguma dúvida me restasse relativamente ao que esperava ouvir, rapidamente cheguei à conclusão que o que se seguiria não deixaria de ser o rol das queixinhas e das pieguices do costume.
Vamos a cinco pontos que marcaram seu discurso.
O primeiro era esperado! Transferir para a decisão do Tribunal Constitucional a responsabilidade por tudo o que correrá mal daqui para a frente e pelas medidas que irão ser tomadas no sentido de tapar o buraco de cerca mil e duzentos milhões de euros. Assim, o senhor esquece-se do óbvio: quem prevarica é quem atenta contra a lei fundamental e não quem tem o dever de fiscalizar a acção e corrigir o prevaricador! Portanto, não venha com subtilezas de linguagem, nem com raciocínios abstrusos. O senhor e mais essa inefável figura em câmara lenta que faz passar por ministro das finanças sabiam que a probabilidade de levarem 'chumbo' grosso era tão grande que eu penso seriamente que, ao contrário do que apregoam, terão juntado as mãozinhas em prece para que os juízes contribuíssem para o vosso jogo de passa culpas.
O segundo ponto decorre do primeiro, como seria lógico que acontecesse. Claro que sim! Graças a esta 'maldade' dos juízes do TC, vão ser precisas medidas do lado da despesa para tapar o buraco de cerca de 1,2 mil milhões de euros. E, aqui chegados, o senhor mente quando afirma que não irá aumentar mais os impostos como os juízes tinham sugerido. Eu não ouvi da boca dos juízes qualquer sugestão fosse para aumentar impostos fosse para outra coisa qualquer. Ouvi do senhor juiz presidente que 'são as leis, incluindo a do orçamento, que devem estar conformes as determinações constitucionais e não a Constituição que se deve conformar às leis; e, depois, respondendo a uma questão de um jornalista sobre o que esperava que o governo fizesse, o mesmo juiz declarou que esperava que o governo tirasse as devidas ilações.
O terceiro ponto só pode passar a fazer parte do anedotário. Diz o senhor que vai ser preciso acelerar as reformas estruturais e assinala que, para fazer face ao buraco aberto nas contas públicas, surgirão mais cortes na saúde, na educação, nas empresas públicas. Ora aí vamos nós! Temos então que o senhor chama de reforma estrutural, simplesmente, aumentar os preços e reduzir os apoios sociais; despedir mais rapidamente os tais milhares de funcionários públicos e outros trabalhadores provavelmente ligados aos sectores dos transportes; ressuscitar aquilo que se lhe escapou aqui há uns tempos numa entrevista: a célebre política de co-pagamentos para o ensino básico e secundário, não se sabe em que moldes mas ainda assim uma coisa sem pés nem cabeça que é por as pessoas a pagar aquilo que é imposto pelo estado como ensino obrigatório.
Quarto ponto. Decorrente dos antecedentes. O governo não sabia, até há umas semanas atrás, onde e como cortar quatro mil milhões de euros em dois anos, tanto que a sétima avaliação da troika foi uma desilusão - a própria troika surpreendida com o péssimo desempenho da economia - a ponto de o respectivo cheque ter ficado suspenso. Mas, caso nunca visto, o mesmo governo que andou a apregoar que não tinha plano B nem margem nem coisa nenhuma, afinal já sabe onde e como vai arranjar mil e trezentos milhões de euros.
Finalmente, quinto ponto. O fantasma do segundo resgate. Volta a enunciá-lo. Na quarta feira acusava a oposição, mormente o PS, de estar a empurrar o país para um segundo resgate; hoje acrescentou-lhe os juízes do palácio Ratton e, subtilmente, embrulhou Cavaco Silva na mesma embalagem de responsabilidades e desgraças de que o senhor acusa tudo e todos de estarem a conduzir o país.
Não esperava, como disse no início, nada de muito diferente. Porém, uma coisa continua a intrigar-me. Como é que se consegue ultrapassar a actual crise política, por mais disfarce que o senhor e os seus acólitos lhe queiram por, sem uma palavra sobre os cortes que faltam fazer nas rendas excessivas das empresas energéticas - oito mil milhões de euros em doze anos - sem uma pista acerca do que fazer com os contratos PPP's, sem um tique, nervoso que fosse, com a redução do número de câmaras municipais, sem uma referência ténue embora, aos cortes a fazer no universo das fundações, sem um olhar de censura, embora compreenda suficiente discreto, para a banca e para a sua inoperante acção na alavancagem (é assim que se diz não é?) da economia, sobretudo das pequenas e médias empresas, sem um anúncio contrariado por certo, de que o IVA para a restauração descesse de novo.
Não estou desiludido. Nós só nos desiludimos quando temos ilusões e o senhor, a mim, nunca conseguiu produzir nenhuma! Nem quando andou a mentir descaradamente o país com as braçadas de flores da campanha eleitoral.
Despeço-me, pois, mas sem lhe desejar mais nada
Adeus (apenas)
P.S. Aguardo com especial curiosidade, essa sim com especial curiosidade repito, a intervenção de Cavaco Silva no próximo 25 de Abril, sabendo como se sabe que o presidente da república gosta de 'dar recados' e muito mais, aos governos, aproveitando a data. Depois de ter dito o que disse a respeito das políticas de austeridade que o seu governo exorbita para além da troika, vou esperar as palavras que certamente serão de muita e douta reprovação, quem sabe bem maior que a dos juízes do TC.
Não esperava, como disse no início, nada de muito diferente. Porém, uma coisa continua a intrigar-me. Como é que se consegue ultrapassar a actual crise política, por mais disfarce que o senhor e os seus acólitos lhe queiram por, sem uma palavra sobre os cortes que faltam fazer nas rendas excessivas das empresas energéticas - oito mil milhões de euros em doze anos - sem uma pista acerca do que fazer com os contratos PPP's, sem um tique, nervoso que fosse, com a redução do número de câmaras municipais, sem uma referência ténue embora, aos cortes a fazer no universo das fundações, sem um olhar de censura, embora compreenda suficiente discreto, para a banca e para a sua inoperante acção na alavancagem (é assim que se diz não é?) da economia, sobretudo das pequenas e médias empresas, sem um anúncio contrariado por certo, de que o IVA para a restauração descesse de novo.
Não estou desiludido. Nós só nos desiludimos quando temos ilusões e o senhor, a mim, nunca conseguiu produzir nenhuma! Nem quando andou a mentir descaradamente o país com as braçadas de flores da campanha eleitoral.
Despeço-me, pois, mas sem lhe desejar mais nada
Adeus (apenas)
P.S. Aguardo com especial curiosidade, essa sim com especial curiosidade repito, a intervenção de Cavaco Silva no próximo 25 de Abril, sabendo como se sabe que o presidente da república gosta de 'dar recados' e muito mais, aos governos, aproveitando a data. Depois de ter dito o que disse a respeito das políticas de austeridade que o seu governo exorbita para além da troika, vou esperar as palavras que certamente serão de muita e douta reprovação, quem sabe bem maior que a dos juízes do TC.