A frase proferida por um menino que escrevia versos quando o médico lhe perguntou do que se queixava.
"Dói-me a vida, doutor".
O conto de Mia Couto é a história de um menino triste levado ao médico pela mãe, por ordem do pai, quando começaram a aparecer pelos cantos da casa uns papeis com uns versos escrevinhados. Logo o pai asseverou excessos de cultura, más companhias, mariquices intelectuais.
Quando o médico lhe perguntou como fazia para amenizar a dor, ele respondeu sereno e com um sorriso triste que acordava a sonhar.
"De que vale ter voz se só me percebem quando estou calado? Reparem, então, só no que eu não digo!"
Anda por aí tanta gente a doer-lhe a vida de tantas maneiras; alguns nem sequer sabem queixar-se onde lhes dói, outros ignoram a dor e vão-se arrastando, sorriso triste, encolher de ombros cansados, perpétua convicção de sofrimento irreparável.
"Dói-me a vida, doutor..."
A chegada do novo ano, o vigésimo parecia trazer selo de garantia depois desse extraordinário feito que foi o abrir as portas do Natal? Descrentes, pessimistas azararam a imprudência. Como podia correr mal (lá estão eles só a pensar só no mal) Mas não! Eram apenas os realistas a falar...
Podem não saber sonhar azul ou cor de rosa mas sabem melhor quando a vida dói.
"Dói-me a vida, doutor.."
Hoje, estamos de novo fechados em casa.
Tentamos replicar os tempos de Março/Abril mas falta-nos já a força de então e sobretudo a novidade, a esperança "isto passa e vamos ficar todos bem!"
Até porque o cerco aperta em volta de cada um quando já é um familiar apanhado pela doença, o melhor amigo que se foi, aquele vizinho que nos dava bons dias todos os dias e que deixou de aparecer.
A vida está a doer-nos muito.
A uns muito mais que a outros, certamente. Mas as dores vão continuar ainda por muito tempo e já poucos se atrevem a recusar a evidência.
Um final de esperança que mantenha a capacidade de sonhar. Felizmente há luar!