domingo, 30 de outubro de 2022

NACIONALISMOS

 

O NACIONALISMO é um fenómeno típico do século XIX: a ascensão de um certo sentimento de pertença a uma cultura, região, língua e povo (ou, em alguns dos argumentos nacionalistas, a uma raça) tendo aparecido, pela primeira vez, em França, no tempo de Napoleão Bonaparte. 

O nacionalismo é um movimento que defende que cada nação deve governar-se a si própria, sem interferências externas ( direito à autodeterminação), sendo a base natural e ideal para uma entidade política como única fonte legítima do poder político. Visa ainda construir e manter uma identidade nacional, características sociais partilhadas de cultura, etnia, localização geográfica, língua, política (ou governo), religião, tradições e crença numa história singular partilhada e promover a unidade ou solidariedade nacional.

O nacionalismo procura, portanto, preservar e fomentar a cultura tradicional de uma nação. Existem várias definições de "nação", o que leva a diferentes tipos de nacionalismo. As duas principais formas divergentes são o nacionalismo étnico e o nacionalismo cívico.

 

Nesse sentido, o sentimento nacional do século XIX alcançou a condição de ideologia política. Diferentemente dos Estados nacionais europeus que se formaram nos séculos XVI e XVII, os Estados Nacionais do século XIX identificavam a sua soberania no contingente de cidadãos que compunham a nação, e não na figura do monarca. Por esse motivo, a tendência ao regime político republicano tornou-se comum nesse período.

 

Formação dos Estados-nações

Acompanham a formação desses Estados-nações as noções de soberania e de cidadania, garantidas por uma Constituição democrática. Além disso, noções como povo, fronteiras nacionais e herança cultural (incluindo a língua) dão suporte para a ideologia nacionalista. Processos históricos como a Unificação Italiana e a Unificação Alemã derivaram dessa ideologia. Caso queira saber mais sobre o tema deste tópico, leia: Conceito de Estado-nação.

 

Entretanto, esta forma de organização política combinada com o advento do movimento de massas (grande aglomerado de pessoas em centros urbanos), foi provocado pela Revolução Industrial, culminou, nas primeiras décadas do século XX, na Primeira Guerra Mundial e, posteriormente, na ascensão de regimes totalitários, nacionalistas extremistas, como o nazismo e o fascismo.

As teorias racistas e defensoras da superioridade da raça ariana (branca) e da escolha do povo alemão como um povo encarregado de construir um império mundial, elaboradas pelo nazismo, foram variantes catastróficas da ideologia nacionalista.

 O nacionalismo é, assim, uma ideologia que se pode dizer moderna com antecedentes antigos, com uma definição maior das fronteiras das nações em países: surgiu numa Europa pré-moderna e pós-medieval, a partir da superação da produção e consumo feudais pelo mercado capitalista, com a submissão dos feudos aos estados modernos (ainda absolutistas ou já liberais), com as reformas religiosas protestantes e a contrarreforma católica — fatos históricos estes que permitiram, ou até mais, que produziram o surgimento de culturas diferenciadas por toda a Europa, culturas que, antes, eram conformadas, deformadas e formatadas pelo cristianismo católico, com o apoio da nobreza feudal.

Ressurgiu na Europa, pouco antes do surgimento da ideologia comunista, como um nacionalismo revolucionário socializante, ou até mesmo socialista, e anti-imperialista, contrário ao imperialismo europeu, o qual, além de explorar as colónias americanas, asiáticas e africanas, explorava ainda as nações europeias mais pobres; Giuseppe Mazzini foi o líder maior desse nacionalismo revolucionário na Europa.

O nacionalismo revolucionário europeu, como uma ideologia anti-imperialista, também influenciou o pensamento dos latino-americanos que souberam apreender dos europeus aquilo que fosse interessante e útil, desenvolvendo, no Novo Mundo, uma prática e uma luta anticolonialista, a qual se traduziu na ação e no discurso de homens como Tiradentes, San Martín e Giuseppe Garibaldi.

O latino-americano, numa inversão do colonialismo cultural, também influenciou a luta anti-imperialista na Europa: as colônias latino-americanas muito ensinaram às nações mais pobres da Europa. Giuseppe Garibaldi e sua mulher, a brasileira Anita Garibaldi, são considerados revolucionários e heróis tanto no Novo quanto do Velho Mundo que continuaram (e venceram) a luta antes comandada por Giuseppe Mazzini.

 

Os diversos nacionalismos

 

Nacionalismo como religião

Na década de 1920, Carlton Hayes chamou à atenção para o facto do nacionalismo se ter assemelhado a uma religião, substituindo o Cristianismo com rituais e mártires e desenvolvendo uma mitologia nacional particular. Segundo Hayes, a Revolução Francesa é um marco histórico na formação do nacionalismo quando o Estado e as suas classes dirigentes laicas, aproveitando-se do sentido religioso do ser humano encoraja as massas a transferir grande parte da sua reverência cristã, supersticiosa, para uma religião política que tem a dupla vantagem de ser real e ter poder físico suficiente para agrupar as multidões em alguma aparência de harmonia social.

A Revolução Francesa propõe que as classes se unam para criar e dedicar um alter ego ao Estado. Neste novo culto em torno do Estado, a simbologia cristã foi substituída pela nova simbologia do Estado. A Bíblia e os dez mandamentos foram substituídos pelas declarações de direitos e pela constituição à qual passou a ser obrigatório reverenciar e prestar juramento. Os sacramentos religiosos do batismo, matrimónio e extrema-unção foram substituídos pelo registo de nascimento, o casamento civil e o funeral de estado. Os Santos foram substituídos pelos novos mártires da pátria. O novo estado nacional, tal como à igreja medieval, é atribuível um ideal, uma missão. É a missão da salvação e o ideal da imortalidade. A nação é concebida como eterna, e a morte de seus fiéis filhos apenas aumenta sua fama e glória eternas.

 

Nacionalismo cívico

A Liberdade guiando o povo (Eugène Delacroix, 1830) é um exemplo famoso de arte nacionalista (também conhecido como nacionalismo liberal) define a nação como uma associação de pessoas que se identificam como pertencentes à nação, que têm direitos políticos iguais e compartilhados, e fidelidade a procedimentos políticos semelhantes. De acordo com os princípios do nacionalismo cívico, a nação não se baseia em uma ascendência étnica comum, mas é uma entidade política cujo núcleo de identidade não é étnico.

Esse conceito cívico de nacionalismo é exemplificado por Ernest Renan em sua palestra de 1882 "O que é uma Nação?", onde ele definiu a nação como um "referendo diário" (frequentemente traduzido como "plebiscito diário") dependente da vontade de seu povo para continuarem a viver juntos".

 

Nacionalismo de esquerda

O nacionalismo de esquerda (às vezes conhecido como nacionalismo socialista, para não ser confundido com o nacional-socialismo) refere-se a qualquer movimento político que combine políticas de esquerda com o nacionalismo.

Também é na revolução francesa que surge o conceito de socialismo. O marxismo identifica o nacionalismo como um subproduto do capitalismo após a queda do Antigo Regime o que ocasionou a padronização dos mercados e o marxismo clássico se declara internacionalista apesar de Stálin apoiar a ideia de nações revolucionárias e reacionárias. Apesar disso, ainda em vida, Marx defendeu o nacionalismo irlandês.

Stálin fez parte do movimento nacionalista georgiano antes de tornar-se comunista, visto que quando entrou para o movimento bolchevique mudou de opinião.

Outros exemplos de nacionalismo de esquerda incluem o Movimento 26 de Julho, de Fidel Castro, que, em 1959, liderou a Revolução Cubana e pôs fim ao governo de Fulgencio Batista, que era apoiado pelos Estados Unidos que por sua vez tinha um forte nacionalismo anticomunista; o Sinn Féin, da Irlanda, e o Plaid Cymru, do País de Gales, além do Partido Nacional Escocês, a Liga Popular de Bangladesh e o Congresso Nacional Africano, da África do Sul.

O governo chinês adota uma vertente do comunista de um nacionalismo anti-corrupção a partir da liderança mais ideológica de Xi Jinping. O governo polaco em 2017 bateu de frente com a União Europeia descrito pelo movimento social local que emula o Podemos como tendo um viés mais nacionalista e socialista.

Donald Trump é descrito como um líder nacionalista e populista para alguns, perpetuando o modelo de “socialismo para os ricos”.

O Brexit em 2016 foi guiado para que não houvesse uma guinada nacionalista e socialista na época.

A guerrilha curda do PKK é descrita como um misto de "anarquismo" de Murray Bookchin, comunismo e nacionalismo curdo, assim como o KLA do Kosovo é descrito como maoísta e posteriormente nacionalista.

Na Croácia, a transição de um socialismo de Estado quase democrático plenamente para um ultranacionalismo fascistizante foi efetuada com apoio da Igreja Católica.

Em 2011 no Egito, Mohamed ElBaradei recebeu formação de uma empresa do governo norte-americano para actuar no partido de esquerda Frente de Salvação Nacional para combater a Irmandade Muçulmana e além disso o Benigno Aquino declarou em 2016 que o governo chinês era nazi. A eleição de Trump também elevou a popularidade do nacionalismo de esquerda no México.

 

Nacionalismo de direita

Tanto no ocidente como no oriente, o globalismo é acusado tanto pelos nacionalistas de direita como pelos socialistas de esquerda, havendo uma tentativa do primeiro de desviar o foco como um apelo à xenofobia anti-russa e anti-chinesa como uma tentativa de angariar apoio dos nacionalistas.

O nacionalista Kuomitang baniu o Partido Comunista Chinês do país durante seu governo de 1911 até 1949 na China continental, fazendo lobby para que os Estados Unidos entrassem na Segunda Guerra Mundial.

 

Nacionalismo étnico

Uma das mais recorrentes formas de nacionalismo percebidas na história humana é o nacionalismo étnico.

Baseado na presunção de uma identidade comum partilhada por todos os membros de uma mesma etnia, falantes de uma mesma língua, professantes de uma mesma fé ou participantes de uma mesma cultura, o nacionalismo étnico costuma dar vazão a anseios coletivos irredentistas e, em casos extremos, a revanchismos internacionais.

Na história recente, o nacionalismo étnico flertou com ideias etnocêntricas e conceitos de pureza nacional, tendo alimentado conflitos armados, políticas de limpeza étnica, migrações forçadas, deslocamentos e transferências populacionais. O nazismo, ideologia formulada por Adolf Hitler e adotada na Alemanha, de 1933 a 1945, é uma forma de nacionalismo étnico. Contudo, de uma forma completamente diferente, o sionismo também tem sido referido como um nacionalismo étnico e religioso.

A maioria dos académicos identificam o nazismo como uma política de direita e também defende o direito de dominar "raças inferiores" e coloca a "raça" nacional acima da luta de classes. Hitler apontava também três vícios do judaísmo: democracia, pacifismo e internacionalismo e denunciava o materialismo histórico e dialético e como opostos ao socialismo que ele defendia.

 

Nacionalismo territorial

Bordão nacionalista usado pelo governo militar do Brasil, nos anos 1970.

Os nacionalistas territoriais assumem que todos os habitantes de uma nação em particular devem lealdade ao seu país de nascimento ou adoção. Uma qualidade sagrada é procurada no país e nas memórias populares que ela evoca. A cidadania é idealizada pelos nacionalistas territoriais. Um critério do nacionalismo territorial é o estabelecimento de uma cultura pública de massa baseada em valores comuns e tradições da população.

 

Ultranacionalismo

O ultranacionalismo é um nacionalismo fervoroso que expressa o seu apoio extremista pelos ideais nacionalistas de alguém. Muitas vezes, é caracterizado pelo autoritarismo, esforços para a redução ou proibição da imigração, expulsão e opressão de populações não nativas dentro da nação ou de seu território, liderança demagógica, emocionalismo, bodes expiatório em crises socioeconómicas, discurso de fomento de inimigos reais ou imaginários, previsão de ameaças à sobrevivência nacional, etnicidade nacional dominante ou idealizada ou grupo populacional, esforços para limitar o comércio internacional por meio de tarifas, controle rígido sobre as empresas e a produção, militarismo, populismo e propaganda.

 

O ultranacionalismo prevalente normalmente conduz ou é o resultado de um conflito que ocorre dentro do Estado, ou entre Estados, e é identificado como uma condição de pré-guerra na política nacional. Em suas formas extremistas, o ultranacionalismo é caracterizado como uma chamada para a guerra contra os inimigos da nação/estado, secessão ou, no caso de ultranacionalismo etnocêntrico, genocídio.

O fascismo é uma forma de ultranacionalismo que promove a "colaboração entre classes" (em oposição à luta de classes), um estado totalitário e o expansionismo para unificar e permitir o crescimento de uma nação. Os fascistas, por vezes, defendem o nacionalismo étnico ou cultural. O fascismo salienta a subserviência do indivíduo ao Estado e a lealdade absoluta e inquestionável a um governante rígido.

 

Nacionalismo anticolonial

Esta forma de nacionalismo surgiu durante a descolonização do período pós-guerra. Foi uma reação, principalmente na África e na Ásia, contra a subjugação por potências estrangeiras. Este tipo de nacionalismo tomou muitas formas, incluindo o movimento de resistência pacífica, liderado por Mahatma Gandhi, no subcontinente indiano.


Segundo Benedict Anderson, o nacionalismo anticolonial se baseia na experiência de intelectuais indígenas — alfabetizados e fluentes na língua da metrópole, educados segundo sua história "nacional" — e do quadro de pessoal administrativo da colônia (exceto os seus níveis mais elevados). Os governos nacionais pós-coloniais têm sido essencialmente versões indígenas da anterior administração imperial.


terça-feira, 4 de outubro de 2022

O INÍCIO DE TUDO

 





Pelas oito horas da noite do dia 4, algumas dezenas de populares e também MACHADO SANTOS, o comissário naval apostado em fazer vingar a revolução republicana vão-se juntando na Rotunda quando muitos militares despiam a farda e envergavam roupas civis para desaparecerem. Contra todos os ventos de descrença, Machado Santos ficou!
Na madrugada de 4 para 5 de Outubro de 1910, Lisboa não dormiu Os canhões da Rotunda troaram toda a noite, cumprindo as ordens de Machado Santos que aí se acantonara. Nessa altura, sob a sua chefia, uma patrulha de militares e civis submetera o Regimento de Infantaria 16, em Campo d' Ourique, com rija fuzilaria que tirou a vida ao coronel Celestino da Costa, comandante da unidade.
O grupo dirigiu-se em seguida para o Regimento de Artilharia 1, em Campolide, fundamental para os desígnios republicanos, pela grande quantidade de armas pesadas e munições. O auxílio que a patrulha revolucionária pôde prestar, na unidade de Campolide, ao capitão Pala e aos seus homens revelou-se precioso. Também este quartel caiu nas mãos dos republicanos, dele saindo três baterias sob o comando do capitão Sá Cardoso e do capitão Pala, que teriam as missões de atacar o Paço Real das Necessidades e de forçar à rendição da Guarda Municipal, aquartelada no Carmo.
Tais obectivos não foram alcançados por se ter verificado a falta de apoios inicialmente previstos.
Assim, as colunas acabaram por se fundir e, contando novamente com o apoio de Machado Santos, seguiram para a Rotunda do cimo da Avenida. Lá se concentraram por volta das três horas da madrugada e aí resistiram a uma débil tentativa de ataque, desferida pela Guarda Municipal.
O balanço que os revolucionários puderam fazer sobre a realização do plano previsto não podia ser mais decepcionante. É certo que se soube que, em Alcântara, o Quartel dos Marinheiros passara para as mãos de gente republicana, devido à intrepidez de decisão do primeiro-tenente Ladislau Parreira e dos segundos-tenentes Sousa Dias e Carlos da Maia, mas também se divulgou que, não tendo sido possível prender o rei nas Necessidades, o aquartelamento sofria agora os ataques das forças monárquicas no Paço obrigando o Quartel dos Marinheiros a uma estratégia meramente defensiva.
Nas primeiras horas da noite, com a concentração na Rotunda, os rebeldes à monarquia também não poderiam saber dos outros sucessos alcançados. Com efeito, o tenente Mendes Cabeçadas subordinara o cruzador Adamastor e um grupo audaz de sargentos e praças tomara conta do cruzador S. Rafael, transferindo mais tarde o comando para o tenente Tito de Morais.
Na Rotunda, a manhã viria projectar uma luz fria sobre o ânimo descoroçoado das gentes. Constou que as forças monárquicas se estavam a acantonar no Rossio e que a Guarda Municipal se preparava para carregar, sobre o reduto insurrecto. A esperança estava na possibilidade de a marinhagem poder tomar o Terreiro do Paço, colocando o inimigo entre dois fogos. Mas mesmo isso aparecia como projecto vago. Que fazer, então?
O comandante Sá Cardoso reuniu um conselho de oficiais, no qual expôs em palavras cruas a angustiante situação.
A primeira contagem de recursos humanos foi desmoralizadora. Restavam apenas nove sargentos, cerca de duzentos militares, uns quantos inexperientes cadetes da Escola do Exército e um magote de civis, na sua maioria mal armados. Do Directório Republicano, repositório de políticos maioritariamente civis, apenas se divisava na Rotunda a presença solidária do dr. Malva do Vale.
Foi aproveitada a boa vontade dos populares para cavar trincheiras e reforçar barricadas. Efeito galvanizador. Por volta das onze horas da manhã do dia 4, irão ocorrer, em simultâneo, duas iniciativas de consequências verdadeiramente decisivas.
No Tejo, os cruzadores Adamastor e S. Rafael estão em frente ao cais de Alcântara e, cumprindo ordens de Ladislau Parreira, iniciam o bombardeamento do Paço das Necessidades. A metralha provoca estragos no aposento privado do rei e um dos disparos corta, como que simbolicamente, a adriça do pavilhão real, deixando criadagem em completo estado de pavor.
Os próximos de D. Manuel II insistem na sua retirada para Mafra, e se lhe irão juntar as rainhas avó (D. Maria Pia) e mãe (D. Amélia).
Por vontade do monarca, é transmitida à Escola de Torpedos do Vale do Zebro a ordem de afundamento, por torpedeiros, dos navios revoltosos, a qual fica sem efeito, uma vez que o comando da Escola se nega a dar-lhe cumprimento. Pela mesma altura, a Rotunda é sujeita a um ataque sob o comando do capitão Paiva Couceiro, o qual coordenou a acção militar da Bateria de Artilharia a Cavalo de Queluz, do Regimento de Infantaria 2 e da unidade de Lanceiros, da Cavalaria 2. Como que miraculosamente, a Rotunda resiste e neutraliza completamente a acção por volta das quatro horas da tarde, obrigando os inimigos à retirada.
Este baptismo de fogo da Rotunda teve um efeito galvanizador. Pelas oito horas da noite do dia 4, a Rotunda regurgita de gente: são mais populares a chegar e é também o retorno de muitos dos sublevados que haviam despido a farda e que agora novamente a querem envergar. Uma grosseira contagem dá agora conta da existência de quinhentos militares e de mil civis, metade dos quais armados.
Por descrença, descoordenação ou tibieza, as forças monárquicas do Rossio não se movem e entram em desmoralização a cada hora que passa. Machado Santos decide então agravar as condições do campo monárquico, pondo a troar ininterruptamente uma boca-de-fogo na Avenida. Devido a esta flagelação, um prédio arde. Que importa um prédio a arder contra o fogo inextinguível de um Ideal? O estampido do fogo dura toda a noite, conforme regista nas suas Memórias o escritor Raul Brandão.
O Quartel-General da monarquia incumbe Paiva Couceiro de novo ataque à Rotunda, mas este pouco mais adianta para além da colocação de peças de fogo na Praça dos Restauradores e na zona do Torel. Tudo se salda, afinal, por rijos combates de artilharia que, embora inconclusivos para ambos os lados, produzem o efeito de entusiasmar os da Rotunda e de desânimo nos defensores do rei. No raiar da manhã, o fogo republicano é assestado sobre o Quartel do Carmo, provocando no comandante, coronel Malaquias de Lemos, um indisfarçável temor. No Rossio, lavra a mais profunda inquietação entre as chefias monárquicas.
O que mais se teme é que os navios surtos no Tejo - agora ainda mais reforçados pela conquista do D. Carlos, feita pelo tenente Carlos da Maia - enfiem a metralha pelos eixos da Rua do Ouro e da Rua Augusta e façam depois desembarcar no Terreiro do Paço uma força complementar de neutralização.
Fosse por imperativo moral ou por mera cobardia, os comandantes dos Regimentos de Infantaria 5 e de Caçadores 5, respectivamente coronel Cristóvão Ribeiro da Fonseca e tenente-coronel Peixoto, fazem constar que, a confirmar-se tal eventualidade, não mandarão abrir fogo sobre os marinheiros.
Isto daria razão à análise de Teixeira de Sousa, chefe do governo monárquico, reconhecendo que a resistência contra-revolucionária dependia exclusivamente, nesta última fase do confronto, de forças da Guarda Municipal, dispersas e mal coordenadas.
Por esta altura, já o movimento revolucionário era discutido pelos lisboetas, em botequins e raras casas comerciais que se atreviam a abrir, com os taipais meio corridos.
O jornal republicano O Mundo declarara o seu aplauso à causa da Rotunda. Lisboa passou a acrescentar mais um brado ao seu rumor habitual. Por ruas escusas ou avenidas largas, começaram a ouvir-se os gritos, ainda por então sediciosos, de "Viva a República!".
Para que o armistício tivesse viabilidade, era necessário ser também aceite pelo comando republicano. O general Gorjão escreveu uma carta explicativa das intenções do encarregado de Negócios da Alemanha, arranjou-lhe uma escolta militar e aconselhou-o a que procurasse entender-se também com a parte oponente. E eis que o encarregado, sob a protecção de uma escolta que ostentava uma bandeira branca, sobe a cavalo a Avenida, em direcção da Rotunda. Seriam oito horas e quinze minutos da manhã. O povo de Lisboa atribuiu de imediato à bandeira branca o significado simbólico da rendição e a partir de então, surgem manifestações populares de júbilo e a onda da "arraia-miúda", liberta de medos, inunda o teatro das hostilidades.
No Rossio, populares entusiastas desfazem completamente as formações militares e convivem alegremente com as tropas.
Quando o encarregado de Negócios da Alemanha chegou à fala com Machado Santos, já este tinha obrigado a escolta a passar para a parte republicana. Depois de umas palavras rudes travadas entre os dois, é cometido a António Maria da Silva o encargo de redigir os termos do armistício. Ficou escrito que a suspensão de hostilidades se iniciaria às oito horas e quarenta e cinco da manhã do dia 5 e cessaria uma hora depois.
Não havendo já escolta, Machado Santos dispõe-se a acompanhar o diplomata alemão ao Quartel-General. Ao descer a Avenida o comandante da Rotunda é ovacionado por populares e levado ao colo até ao destino e quando chega ao Quartel-General coberto de pó e sem uma dragona, que lhe tinha sido subtraída pelas efusões apoteóticas a que fora sujeito, assim se apresenta perante general Gorjão completamente desalentado, mas ainda encontra força e dignidade para interpelar gravemente Machado Santos, acusando-o de ter violado o armistício. Ao que este, olhando para o relógio, lhe replica que, sendo oito horas e quarenta e quatro minutos, faltava um minuto para o seu início. Depois, notifica-o de que a República havia sido declarada. Antes de se render, o general Gorjão manifesta a sua apreensões pela segurança do rei e recebe de Machado Santos a garantia de que nada de mal lhe acontecerá.
Decorriam estes decisivos lances, já os membros do Directório republicano se preparavam para proclamar a República e formar o governo provisório, presidido por Teófilo Braga, na Câmara Municipal de Lisboa.
Eram cerca de nove horas da manhã do dia 5, quando Eusébio Leão, Inocêncio Camacho e José Relvas, seguidos por dezenas de republicanos, se dirigem da varanda do município e ao povo da capital, apinhado no largo fronteiro, leem a declaração da abolição da monarquia, o manifesto de proclamação da república e os nomes previstos para o governo provisório.
Cessava o tempo dos militares e iniciava-se o tempo dos políticos.
A República estava feita? Estava. Mas hoje sabemos, talvez mais seguramente do que nunca, que ela, na dimensão mais exigente e essencial, está sempre por fazer e que a sua perenidade reside precisamente nisto.
(fonte: jornal Público de 4 de Outubro de 2020)
Viva a República! Viva a Democracia!

 

Foi ontem à noite, mas ainda merece uma referência. A "vítima" foi o Marítimo. Depois de estarem a perder aos 11 minutos, os gansos deram a volta e ganharam mais um jogo! E vão 5 vitórias, mais 2 empatas e 1 derrota (frente ao Benfica). Com 9 golos marcados e 4 sofridos (2ª melhor defesa atrás do Benfica), subiu ao 4º lugar, a 2 pontos do dueto Braga e FC Porto e a 5 do comandante Benfica.
São "os gansos"! CASA PIA ATLÉTICO CLUBE.
Em dois anos vindos da 3ª Liga, chegaram à 1ª.




Já se fazem apostas, quanto tempo aguentam?
Parabéns ao Casa Pia!
Fundado em 3 de Julho de 1920, ligado a uma história associativa que vem desde 1893, data em que se constituiu a equipa de futebol da Real Casa Pia de Lisboa, a primeira vencedora dos mestres ingleses do Carcavelos Club em 1898 numa vitória histórica que conquistaria o público para o novo jogo, cimentando para sempre a prática do futebol em Portugal, o Casa Pia Atlético Clube — Ateneu Casapiano — Associação Pós-Escolar da Casa Pia de Lisboa, é um dos mais ecléticos clubes portugueses, tendo praticado 25 modalidades desportivas, com a curiosidade de ter sido o único que praticou o Basebol regularmente, vencendo em 4 de Julho de 1923 no Campo das Laranjeiras a forte equipa da Colónia Americana por 25-24.
Na época de estreia, refira-se, o Casa Pia venceu — sem qualquer derrota! — o Campeonato Regional de Lisboa e a Taça de Lisboa. E a esses títulos juntou ainda o triunfo no confronto com o campeão do Norte, o FC Porto, na então denominada Taça 27 de julho. Foi o ensaio final para o arranque do Campeonato de Portugal — antecessor da Taça de Portugal —, que se iniciou no ano seguinte.
Em 1938/39 disputou-se pela primeira vez em Portugal o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão e a Taça de Portugal, ainda hoje, as mais importantes competições futebolísticas de Portugal.
A equipa de futebol do Casa Pia marcou presença na estreia destas duas históricas competições nacionais. Porém, a sua participação no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão da época de 1938/39 foi, até ao momento, a única presença do clube lisboeta na principal prova futebolística portuguesa.
Não se sabe bem quando os alunos da Casa Pia ganharam um nome particular: gansos. Foi o povo de Lisboa que escolheu o nome, talvez por causa da postura dos alunos nos desfiles da cidade. Aquele aprumo todo a desfilar em frente à rainha que dizia: ‘Aí vêm os gansos!’”.
Outra explicação deve-se à apetência dos casapianos para o desporto: afinal, a Casa Pia foi a primeira escola a ter ensino regular de natação no seu currículo (e a primeira a construir um ginásio). Os nadadores saíam em passo de corrida em tronco nu dos Jerónimos até à praia do Bom Sucesso para nadar. Como gansos.
Os gansos são aliás o tema de um grande quadro numa sala do estádio. Assinado pelo casapiano Tavares Correia, o quadro retrata uma cena cómica: um pintor, que provavelmente teve de se ausentar, regressa à sua tela só para a encontrar rodeada de gansos. Lá ao longe, é possível ver-se a ermida do Restelo para onde os casapianos iam estudar.