Atenas endividou-se a bancos franceses e alemães para comprar armas a empresas francesas e alemãs.
Austeridade imposta aos gregos vai servir também para pagar material de guerra
A Grécia, país em convulsão, ameaçado pela bancarrota e sujeito às mais duras medidas de austeridade imposta pela troika formada pela Comissão Europeia, FMI e BCE, é o quarto maior importador mundial de armas e nos primeiros nove anos do século em curso comprou material militar, em grande parte desnecessário, num valor superior a 11 mil milhões de dólares, cerca de oito mil milhões de euros. Um
estudo realizado pelo jornalista francês Jean-Louis Denier revela que, ao nível europeu, os países a cujos bancos a Grécia mais deve – França e Alemanha – são também aqueles onde as empresas de armamento mais equipamento militar vendem à Grécia.
O trabalho do jornalista francês baseia-se em dados obtidos em relatórios da NATO e também em investigações de juízes gregos e alemães sobre os subornos de empresas norte-americanas, francesas e alemãs a políticos do PASOK e da Nova Democracia (direita) e também dirigentes militares gregos, subornos esses que ascendem a mais de mil milhões de euros.
Os mil milhões de euros gastos em armas pela Grécia no ano de 2009 representaram 4,3 por cento do PIB, uma percentagem superior à aplicada na educação – quatro por cento. Na União Europeia, em termos equivalentes, apenas a Eslováquia gasta menos que a Grécia em educação e cultura. A França, actualmente envolvida nas guerras do Afeganistão e da Líbia, tem um orçamento militar de 2,2 por cento do PIB.
Relatórios da NATO revelam que só entre 2005 e 2009, coincidindo em grande parte com a chamada crise financeira dos subprimes, as despesas militares da Grécia cresceram 33 por cento, de cerca de quatro mil milhões de euros para 5300 milhões de euros. Isto significa que grande parte do dinheiro emprestado desde 2007 por bancos franceses e alemães à Grécia para comprar armas resultou dos apoios estatais, logo dos contribuintes, a esses bancos para efeitos de “securização”. Em vez disso, os bancos aplicaram-no em especulação, agiotagem e reforço de equipamentos bélicos, designadamente na Grécia.
Grande parte da actual dívida soberana da Grécia resultou, pois, de empréstimos de bancos norte-americanos, franceses e alemães para a compra de equipamento militar de super-potência por um país com 11 milhões de habitantes. Por exemplo, Atenas gastou dois mil milhões de dólares em aviões de combate norte-americanos, 1600 milhões de euros em aviões de combate franceses Mirage 2000 e cinco mil milhões de euros em seis submarinos alemães, uma situação que replica ocorrências noutras paragens.
A Grécia é o terceiro cliente da França em compra de armas – aviões, mísseis, blindados, navios de guerra. O eurodeputado verde Daniel Cohn-Bedit revelou no seu blogue “Rue89” que o presidente francês Sarkozy e o seu primeiro ministro Fillon se dirigiram a Papandreu quando este formou governo prometendo desbloquear verbas “para vos ajudar mas para isso têm que continuar a pagar os contratos de armamentos assinados pelo governo de Karamanlis” (chefe da Nova Democracia e anterior primeiro ministro grego).
Em pleno período em que o povo grego contesta nas ruas as sucessivas medidas de austeridade impostas por Papandreu sob ordens da troika, o governo grego está comprometido em continuar a pagar, por exemplo, 2500 milhões de euros em fragatas e 400 milhões de euros em helicópteros de combate.
Quem é o “inimigo” da Grécia à sombra do qual Atenas faz tais investimentos em guerra? A Turquia, vizinho e também membro da NATO. Durante anos, quando os Estados Unidos vendiam os aviões de combate mais modernos à Turquia, por exemplo os F-35, informavam Atenas, que imediatamente adquiria o mesmo número de aparelhos do mesmo tipo para assegurar a paridade.
A Turquia, porém, tem vindo gradualmente a alterar a política de investimento militar. Em 2009 sugeriu à Grécia uma redução comum de 20 por cento de despesas militares, mas Atenas recusou. Ainda assim, a Turquia, que foi o sexto importador mundial de 1998 a 2008, desceu desde então para 10º. A Grécia, pelo contrário, mantém-se há dez anos no quarto posto.
Apesar de situações deste tipo e do elevadíssimo endividamento da Grécia, que ameaça a solvência do país, o secretário norte-americano da Defesa continua a dizer que os “europeus gastam pouco em armamento”.
A insatisfação não é um exclusivo norte-americano. Segundo o trabalho de Jean-Louis Denier, quando, a partir de 2009, Atenas começou a ter dificuldades em honrar os compromissos com bancos e empresas de armamento essa terá sido uma das razões que levou a srª Merkel a indispor-se com Papandreu e a impor, em conjunto com as instituições europeias e o FMI, a política de resgates. De onde se conclui que grande parte dos sacrifícios impostos aos gregos servem para liquidar compras de armamentos em quantidade e qualidade escandalosamente desproporcionados para as necessidades de Atenas e para responder às supostas “ameaças” pendentes sobre um país como a Grécia.