Quando foram vendidos submarinos alemães a Portugal, à Grécia e à Coreia do Sul, as evidências de corrupção incomodaram a agenda política de cada país e, nos casos mais afortunados, chegaram à barra dos tribunais. Entre nós foi decidido arquivar o caso, bastou que na Alemanha houvesse quem fosse condenado por corromper autoridades portuguesas, era escusado incomodar os outros beneficiários do esquema. Agora, a maldição dos submarinos alemães volta a assombrar a Europa, com a venda de seis unidades de Tipo 214 à Turquia. O negócio já tinha sido assinado há uma dúzia de anos, mas o primeiro submarino chega brevemente e o governo da Grécia reagiu violentamente, pedindo um embargo de venda de armas ao seu rival estratégico, o que foi liminarmente recusado. O contrato vale cerca de um quinto do total das exportações de armas alemães numa década, é uma razão forte. E, como a Grécia compra aviões franceses e duplica este ano os gastos militares (mas ainda assim são metade dos da Turquia), o negócio é bom para muitas potências.
O governo turco sabe que dispõe de carta branca, Merkel protege a venda de submarinos. Além disso, Erdogan até pode comprar ao mesmo tempo armas à Rússia mas, como faz parte da Nato e constitui a sua frente no leste do Mediterrâneo, e para lá é terra incógnita depois da derrota da aliança no Afeganistão, é inimputável. Bem pode ameaçar, que até é pago para isso. A UE já desembolsou seis mil milhões de euros pela contenção de refugiados e, na cimeira que devia ter discutido o embargo de armas, decidiu reforçar a dotação para Erdogan em mais três mil milhões. O presidente turco faz o que quer, a Alemanha fica com uma parte do lucro, tudo corre bem. A Nato aguenta a guerra intestina entre pretensos aliados, a Síria sofre as incursões turcas, Chipre continua dividido, o que é disto é vida anormal?
(Francisco Louçã in "Expresso")