terça-feira, 15 de agosto de 2017

O DIA DA PADEIRA DE ALJUBARROTA

O QUE SE PASSARA NO CAMPO DE ALJUBARROTA, na tarde do dia anterior deixara no ar um cheiro de morte e os ecos dos gritos dos feridos e dos gemidos dos moribundos. Quando a noite foi caindo, na claridade trémula das fogueiras percebia-se que muitos preferiram ficar para trás preferindo a pilhagem dos caídos e dos equipamentos, em vez de gastar forças na perseguição de castelhanos esgotados na tremenda derrota e aterrorizados pelo que ainda teriam de enfrentar até sentirem que haviam escapado com vida aos seus ferozes perseguidores.
BRITES ERA MULHER mas o corpo forte e o seu semblante carregado de olhos vivos mas pequenos, sobrancelhas muito espessas e um cabelo farto mas encrespado facilmente faria com que a confundissem com um homem não fosse o trajar. Nascera em Faro numa família muito pobre e humilde, órfã aos vinte anos, desde cedo que andou metida em brigas e aprendeu a manejar a espada e o pau. Toda a gente tinha medo dela pois, como nascera com seis dedos em cada mão, dela se dizia ter sido obra demoníaca. 

Acusada de assaltos e mortes começou a ser perseguida pela justiça e fugiu para Castela mas foi capturada e vendida como escrava. Depois de muitos trabalhos conseguiu fugir ajudada por outros dois escravos portugueses mas uma tempestade afundou em que vinha com outros fugitivos e procurada pela justiça, para evitar ser apanhada cortou o cabelo, disfarçou-se de homem e fez a sua vida como se fosse um almocreve. 
Seis anos de fugas e disfarces, até que encontrou lavrador, homem honesto e bom e casou, tendo aceitado entretanto ser padeira em Aljubarrota.

OS SEIS CASTELHANOS estavam atemorizados, depois de uma noite pelos pinhais, a fugirem dos vigias e dos soldados portugueses. Não sabiam sequer para onde se dirigiam e a preocupação de não se denunciarem, levava-os a despirem as vestes com as cores e brasões inimigos e apenas com umas capas a cobrirem os corpos e descalços mais pareciam uns pedintes ou vagabundos. 

Viram ao longe na aldeia, os gritos de vitória com o povo em festa; grupos de soldados, escorria o vinho em abundância, dois porcos nuns paus a girar em fogueiras e grandes pães muitos pães espalhado sobre padiolas. 
Sombras cosidas às paredes das casas, o medo de serem vistos ali no meio de tanta gente, levou-os àquela casa de aspecto humilde cuja curiosidade era aquela grande chaminé que forçava o telhado. 
Ali se abrigaram, depois de verificarem que a sala ampla e única estava sem ninguém para ganharem novo alento antes de voltarem à fuga de risco para as suas vidas incertas.

BRITES ACABAVA DE CHEGAR puxando o carro depois de mais uma leva de pão quando se apercebeu de movimento estranho no interior, junto ao forno onde cozia o seu pão tão apreciado por aquelas bandas. Logo desconfiou que inimigo deveria ser pois que ladrão tinha muito mais e melhor para roubar, especialmente naquela noite. Olhou para o carro e apenas viu a pá enorme com que raera o forno naquela tarde e nela pegou decidida a dar caça ao que fosse. 

Foi ao entrar que os viu. Dois definhavam encolhidos junto à porta do forno, certamente feridos mas os restantes sacaram de espadas e de paus, de debaixo das capas e dispuseram-se em roda dela, ameaçadores. Certamente não sabiam eles da reputação da padeira e menosprezando a que tinham por presa fácil, logo se enganaram quando a viram crescer num berro assustador e segurando na enorme vara com a pá logo ali despachou três, ficando o outro sem pinga de sangue. No terror que se gerou, a fuga para o sítio errado que a porta da casa era no outro lado e aquela era a porta do forno e a porta para a morte.

ESTA A HISTÓRIA QUE SE TORNOU LENDA e por essa razão esta mulher na região de Aljubarrota ficou conhecida como uma grande e valente mulher “A Valente Padeira de Aljubarrota”. Ainda hoje todos os 14 de Agosto, feriado, ela é lembrada e uma pá que dizem ser a verdadeira vai na procissão, em honra de Brites de Almeida, padeira de Aljubarrota.