PRIMEIRO FOI O SOM de uma ordem gritada e logo repetida, vinda de um posto de vigia do muro que cortou o silêncio da madrugada; depois foi o som de um disparo e logo de outro a seguir e, por fim, o baque dum corpo que caía na calçada, uns trinta metros mais à frente. Naquele alvorecer de 18 de Agosto de 1962, um ano e quatro dias após a conclusão da edificação do muro, Gunter Littin tinha saltado para a morte. Tinha vinte e um anos e era carpinteiro numa oficina de móveis, a meio da Zimmerstrasse.
O VELHO PRÉDIO de três andares ainda assumia no telhado e nas fachadas a violência das bombas que tinham caído dezassete anos antes nas vésperas da entrada das tropas soviéticas. Gunter Littin conhecia.o movimento dos soldados no posto de vigia, a uns trinta metros do local de trabalho, no ângulo do muro onde a Zimmerstrasse fazia à esquerda um ângulo de quase noventa graus. Às quintas feiras, cerca das seis da manhã, um camião do exército parava junto ao posto para descarregar caixotes que deveriam conter alimentos e munições para os três guardas que eram rendidos de seis em seis horas e, porque parava precisamente no ângulo da curva, o soldado descia da guarita para o controlo dos papéis enquanto os outros dois se ocupavam da descarga. Durante uns cinco a sete minutos, não mais, aquele sector do muro, que quase encostava ao prédio, estava sem vigilância.
O PLANO ERA SIMPLES! Gunter e o seu amigo Hanz Polloeck teriam de ficar na oficina na noite de quarta feira depois desta fechar. Depois, à hora do abastecimento, sairiam pela porta das traseiras do segundo andar que outrora tinha uma escada de serviço até ao rés do chão que agora era apenas uma cascata ferros retorcidos pendurados junto à empena mas mantivera o patamar que se aproximava do muro. Era daí que saltariam para cima do bordo do muro, tentado evitar a fileira de arame farpado, um salto de cerca de metro e meio a mais de seis metros do solo e depois um novo salto para o muro exterior e, por fim percorrer os cerca de vinte metros até que seria possível saltar para o lado ocidental, para cima de um monte de entulho que permanecia há duas semanas junto ao muro, que pertencia a uma obra cujo guarda os socorreria naturalmente.
GUNTER tinha perdido o pai, soldado da Wehrmacht, desaparecido durante o cerco a Estalinegrado e a mãe morrera em plena rua, agarrada a ele para o proteger, num bombardeamento durante a guerra. Foi apanhado pela tripulação de um tanque soviético uma semana após o fim da guerra quando, exausto de fome e sede, deambulava pelas ruas de Berlim. Tinha pouco mais de dois anos de idade. Enviado para um centro de refugiados de guerra e mais tarde para uma escola em Leipzig onde permaneceu até aos dezoito anos. Foi aí que conheceu Hanz, também órfão de pai e mãe que tendo tirado o curso de carpinteiro, como ele, acabaram por ir trabalhar para a oficina de móveis na Zimmerstrasse. Planeavam, há alguns meses, aquela fuga, depois de um amigo ter fugido, incentivando-os a fazerem o mesmo.
NA QUARTA FEIRA, véspera do dia D, deixaram-se ficar propositadamente até mais tarde e quando todos se tinham embora despediram-se do encarregado e mal viraram a esquina do prédio, treparam pelos ferros retorcidos e entraram no primeiro andar. Ouviram o homem correr a pesada porta de ferro da oficina, no rés do chão e depois subiram pela escada interor até ao segundo andar que ainda tinha partes destelhadas e as paredes suportadas por umas vigas de madeira. estava em reparação para depois fazer dali escritórios, diziam. A noite foi demasiado longa e nenhum conseguiu dormir, pelo menos, com a tranquilidade suficiente para que quando ouviram o motor do camião de abastecimento, Hanz tremia e, com ar de pânico, disse a Gunter que não seria capaz. Tinha pensado melhor, toda a noite, e Gunter que fosse pois ele não iria conseguir e só o prejudicaria na fuga. Gunter insistiu tanto que Hanz fingiu dispor-se mas com a condição de ser Gunter o primeiro.
O CAMIÃO PAROU de motor a trabalhar, o soldado vigias desceu da guarita e abeirou-se da porta do lado do motorista ficando assim encoberto e os outros dois guardas saíram da porta do posto e começaram a carregar os caixotes. Eram três e o primeiro parecia muito pesado. Gunter já estava agachado no patamar e formou o primeiro salto indo cair silenciosamente no bordo do muro, abafando um gemido de dor quando teve de se agarrar ao arame farpado com ambas as mãos, apesar das velhas luvas de cabedal que tinham pertencido ao pai quando tivera uma moto que ele nunca conheceu mas que tinha guardado uma foto do pai e da mãe num passeio que fizeram juntos. Hanz estava no patamar da escada enconstado à parede sem se mexer. Gunter viu os seus olhos aterrorizados e percebeu que o amigo não conseguiria mas já não podia voltar atrás. Fez-lhe sinais com o braço mas Hanz não se movia, cosido à parede do prédio. O dia nascia!
O VELHO PRÉDIO de três andares ainda assumia no telhado e nas fachadas a violência das bombas que tinham caído dezassete anos antes nas vésperas da entrada das tropas soviéticas. Gunter Littin conhecia.o movimento dos soldados no posto de vigia, a uns trinta metros do local de trabalho, no ângulo do muro onde a Zimmerstrasse fazia à esquerda um ângulo de quase noventa graus. Às quintas feiras, cerca das seis da manhã, um camião do exército parava junto ao posto para descarregar caixotes que deveriam conter alimentos e munições para os três guardas que eram rendidos de seis em seis horas e, porque parava precisamente no ângulo da curva, o soldado descia da guarita para o controlo dos papéis enquanto os outros dois se ocupavam da descarga. Durante uns cinco a sete minutos, não mais, aquele sector do muro, que quase encostava ao prédio, estava sem vigilância.
O PLANO ERA SIMPLES! Gunter e o seu amigo Hanz Polloeck teriam de ficar na oficina na noite de quarta feira depois desta fechar. Depois, à hora do abastecimento, sairiam pela porta das traseiras do segundo andar que outrora tinha uma escada de serviço até ao rés do chão que agora era apenas uma cascata ferros retorcidos pendurados junto à empena mas mantivera o patamar que se aproximava do muro. Era daí que saltariam para cima do bordo do muro, tentado evitar a fileira de arame farpado, um salto de cerca de metro e meio a mais de seis metros do solo e depois um novo salto para o muro exterior e, por fim percorrer os cerca de vinte metros até que seria possível saltar para o lado ocidental, para cima de um monte de entulho que permanecia há duas semanas junto ao muro, que pertencia a uma obra cujo guarda os socorreria naturalmente.
GUNTER tinha perdido o pai, soldado da Wehrmacht, desaparecido durante o cerco a Estalinegrado e a mãe morrera em plena rua, agarrada a ele para o proteger, num bombardeamento durante a guerra. Foi apanhado pela tripulação de um tanque soviético uma semana após o fim da guerra quando, exausto de fome e sede, deambulava pelas ruas de Berlim. Tinha pouco mais de dois anos de idade. Enviado para um centro de refugiados de guerra e mais tarde para uma escola em Leipzig onde permaneceu até aos dezoito anos. Foi aí que conheceu Hanz, também órfão de pai e mãe que tendo tirado o curso de carpinteiro, como ele, acabaram por ir trabalhar para a oficina de móveis na Zimmerstrasse. Planeavam, há alguns meses, aquela fuga, depois de um amigo ter fugido, incentivando-os a fazerem o mesmo.
NA QUARTA FEIRA, véspera do dia D, deixaram-se ficar propositadamente até mais tarde e quando todos se tinham embora despediram-se do encarregado e mal viraram a esquina do prédio, treparam pelos ferros retorcidos e entraram no primeiro andar. Ouviram o homem correr a pesada porta de ferro da oficina, no rés do chão e depois subiram pela escada interor até ao segundo andar que ainda tinha partes destelhadas e as paredes suportadas por umas vigas de madeira. estava em reparação para depois fazer dali escritórios, diziam. A noite foi demasiado longa e nenhum conseguiu dormir, pelo menos, com a tranquilidade suficiente para que quando ouviram o motor do camião de abastecimento, Hanz tremia e, com ar de pânico, disse a Gunter que não seria capaz. Tinha pensado melhor, toda a noite, e Gunter que fosse pois ele não iria conseguir e só o prejudicaria na fuga. Gunter insistiu tanto que Hanz fingiu dispor-se mas com a condição de ser Gunter o primeiro.
O CAMIÃO PAROU de motor a trabalhar, o soldado vigias desceu da guarita e abeirou-se da porta do lado do motorista ficando assim encoberto e os outros dois guardas saíram da porta do posto e começaram a carregar os caixotes. Eram três e o primeiro parecia muito pesado. Gunter já estava agachado no patamar e formou o primeiro salto indo cair silenciosamente no bordo do muro, abafando um gemido de dor quando teve de se agarrar ao arame farpado com ambas as mãos, apesar das velhas luvas de cabedal que tinham pertencido ao pai quando tivera uma moto que ele nunca conheceu mas que tinha guardado uma foto do pai e da mãe num passeio que fizeram juntos. Hanz estava no patamar da escada enconstado à parede sem se mexer. Gunter viu os seus olhos aterrorizados e percebeu que o amigo não conseguiria mas já não podia voltar atrás. Fez-lhe sinais com o braço mas Hanz não se movia, cosido à parede do prédio. O dia nascia!
GUNTER recomeçou a andar em cima do muro e ainda olhou por cima do ombro num último sinal de adeus ao amigo mas já não o viu no patamar. O camião começou a mover-se e foi quando ouviu o grito da sentinela. Estava a formar o salto para o muro exterior quando sentiu que uma espécie de prego incandescente lhe tinha entrado na coxa esquerda e logo a seguir novo impacto a meio das costas, junto ao pescoço. Sentiu uma tontura, depois tudo ficou negro e o corpo de Gunter Littin caiu para o outro lado, sem vida.GUNTER LITTIN foi a primeira vítima. O seu amigo Hanz assistiu a tudo, encostado à parede do prédio, abafando no seu próprio terror, a morte do amigo. No dia seguinte, os operários encontraram-no sem vida, pendurado pelo pescoço, numa trave que sustentava o telhado, no segundo andar da oficina.