segunda-feira, 11 de julho de 2022

MARIA DA CONCEIÇÃO

 

O barulho que se ouviu, precedido de um grito, no passeio junto ao ascensor de Santa Justa foi mais um baque. Depois do susto transformado em surpresa, os transeuntes viram o padeiro caído de costas, camisa ensanguentada, ombro e braço direitos parecendo não pertencer àquele corpo tal a posição anormal que apresentavam, o enorme cesto que momentos antes levava ao ombro cheio de pão, partido em dois e o conteúdo derramado pelo passeio e pela faixa de rodagem da rua do Ouro e no meio daquela aflição, uma mulher ainda jovem com um casaco azul de lã por cima do que parecia ser uma farda de criada, meia de lado, olhos muito abertos, uma mancha de sangue na saia e com queixas na perna direita que parecia partida mas viva, ao lado do padeiro de olhos muito abertos, morto. O polícia de giro chegou a correr, do outro lado da rua, apitando estridente, na correria, ao mesmo tempo que gritava:

 “Façam o favor de se afastar…”

O círculo que entretanto se formara em volta da cena, alargou ligeiramente, o suficiente para o agente da autoridade entrar para o meio e continuar gestualmente, bastão em punho, a dizer:

“Façam o favor de se afastar…. Algum médico aqui?”

Médico não havia mas surgiu a primeira testemunha…ainda a gaguejar pela violenta surpresa:

 “Eu vi… eu vi…foi ela…foi ela que caiu lá de cima… foi ela que matou o padeiro!”

 

O padeiro, era uma figura conhecida ali, já que diariamente ao longo dos últimos cinco anos fazia a distribuição do pão pelos restaurantes e cafés. João – ninguém sabia o apelido – mas era o João, para toda a gente, sorridente, bem disposto e amigo dos miúdos pobres que o esperavam, sentados junto ao ascensor, para se aproveitarem da sua generosidade.

“Eu ouvi o grito mas quando olhei já estavam assim… no chão…”

“Não, eu vi ela cair em cima do João… foi ela que matou o João!”

Ela era Maria da Conceição, dezassete anos, criada em casa duns ricaços que moravam prós lados do Chiado - veio depois a apurar a investigação – que,  por entre choros e lágrimas, também ficou a saber o resto de toda este drama naquela manhã de 10 de Julho de 1942, fazia o ascensor 40 anos!

Estava em casa da família Portela, que moravam num palacete na rua da Misericórdia. Tinha vindo com 13 anos de Alvações do Corgo, pequena povoação de 470 habitantes, do concelho de Santa Marta de Penaguião, situada na margem esquerda do rio Corgo, afluente do Douro. Maria da Conceição viera para Lisboa, mandada chamar por uma tia solteirona, cozinheira, em casa dos Portela há mais de vinte anos, sabedora da estima que a senhora dona Emília tinha por ela e mais das dificuldades que a irmã e o cunhado passavam lá na terra quisera que a sua sobrinha dilecta não ficasse “enterrada viva” lá na terra e, aproveitando o facto de ter sido despedida a sua ajudante por desviar alimentos logo sugeriu cautelosamente a Maria da Conceição…

 “Mas, ó Maria da Paz, não será muito nova para a ajudar?”

Questionou hesitante a senhora dona Emília ao ouvir a proposta da cozinheira. Que nada, não senhora. Que a miúda era muito jeitosa para a cozinha que assim tinha plena confiança – era só o que faltava – na sua ajudante, que podia inclusive contar com ela para outras tarefas, como recados e que a senhora ia ver que passado o primeiro impacto, ela se adaptava e logo seria uma das melhores.

“Está bem, Maria da paz… mas, atenção, se não for boa para o serviço não quero cá encobrimentos… vai recambiada… entendido, Maria da paz? Só para você não dizer que nem uma oportunidade dei. Também nunca me pediu nada.”

“Obrigada minha senhora. Não se vai arrepender!”

Quatro anos passam num instante mas, em quatro anos também se passa muita coisa. Maria da Conceição prendeu-se de amores com um rapaz bem mais velho, um tal Álvaro já em idade de ir para a tropa, ao fim de um ano e pouco de estar por Lisboa. Ele era empregado de mesa num restaurante da rua do Alecrim, alto moreno, bem falante logo se deixou também encantar por aquela moça vinda lá do norte, também ela morena já num corpo de mulher, apesar dos quinze anos que a jovem Maria da Conceição consciente da diferença de idades e com medo que isso fosse motivo de separação, logo resolveu aumentar para dezoito e meio, enfim quase dezanove! O namoro foi crescendo de intensidade, a pontos da tia a ter avisado. Pela terceira vez.

“Maria da Conceição, vê o que fazes da tua vida, rapariga! Olha que eu bem sei o que se passa e podes ter a certeza que conto tudo á senhora…”

“Mas ó tia, eu gosto dele. Vamos casar e…”

“Casar??? Mas tu endoidaste, rapariga??? Estás a minha guarda e não te admito essa falta de respeito, pior, de juízo, menina. Fazes favor arranja maneira de acabares com o namorico. Eu até gosto do rapaz mas…”

Maria da Conceição não disse que sim nem que não. A sua paixão crescia todos os dias. E, um dia, endoidou de vez e aceitou o convite que Álvaro lhe fez para lhe mostrar o quarto onde vivia, umas águas furtadas num prédio já gasto pelo tempo,mas com uma vista espantosa para o Tejo. Combinaram tudo para um Domingo que era a sua tarde de folga e aproveitando o facto da tia ir visitar uma cozinheira amiga para Campo d’ Ourique estimou que tinha a tarde livre para ir ter com Álvaro que também tinha folga.

 Em três meses, tudo se precipitou na vida de Maria da Conceição. Álvaro partiu para a tropa e pouco depois veio dizer-lhe que tinha sido mobilizado para os Açores. Era a guerra e era preciso proteger as ilhas. Maria da Conceição despediu-se em prantos. A tia soube dos choros e à primeira repreendeu-a pois julgava que o namoro com Álvaro já tinha acabado. O que ela não sabia é que não só não tinha acabado, como tinha a sobrinha grávida.

Uma manhã, o carteiro trouxe uma carta da Ilha Terceira. Mas não era de Álvaro. Quem a escreveu chamava-se Luís Filipe e dizia-se amigo de Álvaro. A carta não era extensa antes pelo contrário, de modo  que não foi difícil para ela ficar a saber que Álvaro tinha tido um acidente de viação e falecera a caminho do hospital militar da base americana.

Maria da Conceição não conseguiu ler mais nada, completamente desvairada saiu porta fora sem conseguir sequer dizer fosse o que fosse, numa correria desenfreada sem destino, num choro que fazia toda a gente com quem se cruzava ficar a olhar espantados com o aspecto aflitivo da jovem.

Sem saber como, encontrou-se na plataforma do cimo do ascensor de Santa Justa, local onde fora várias vezes com Álvaro. O Sol do meio dia bateu-lhe em cheio no rosto, atarantou-a, cegou-a! As suas últimas palavras foram o nome do namorado e … atirou-se! O homem que estava a uns cinco metros quis impedir mas chegou tarde…

Maria da Conceição deu um grito, já no ar, mas não impediu a sua queda no cesto de João, o padeiro que nesse momento passava, em baixo. 



 

  

 

 

 

  

 

 


sexta-feira, 8 de julho de 2022

UM ALFABETO DA IDADE DO FERRO

 

Na Idade do Ferro, os Tartessos habitaram a Ibéria e deixaram-nos um tesouro - assim começa "Portugal Secreto" - nos lugares que os turistas (ainda) não visitaram.

Tartesso era nome que os gregos conheciam a primeira civilização ibérica.. Desenvolveu-se no final da Idade do Bronze, no triângulo formado pelas actuais cidades de Huelva, Sevilha e Cádis e teve por linha central o rio Guadalquivir.
Os Tartessos poderão ter desenvolvido uma língua e uma escrita diferente das dos povos vizinhos, influência cultural de egípcios e fenícios. A sua forma de governo era a monarquia e possuíam leis escritas em tábuas de bronze. Hérodoto fala em 6.000 anos.
No século VI AC, o Reino Tartesso desaparecido abruptamente do mapa da história, depois da batalha de Alália, supondo-se que dizimados. Mas, historiadores dizem que refundada sob o nome de Carpia voltou a ser civilização que os romanos ainda designavam a baía de Cádis por "Tartessus Sinus".
AGORA ALMODÔVAR
O Museu da Escrita do Sudoeste Alentejano, em Almodôvar faz referência a vestígios de povoamento com origem nos séculos V e IV AC, no Museu Etnográfico e Arqueológico de Santa Clara..
Provável, dados os vestígios encontrados no pico do Mu, em plena serra do Caldeirão, o último Tartessso teve aqui o seu último "reino" refúgio!
Tantos foram os povos que por cá passaram ou se estabeleceram.
Nunca tinha ouvido falar nos tartessos.
Curiosidade..

segunda-feira, 4 de julho de 2022

SOBRE ALGUMAS CRISES DA HISTÓRIA UNIVERSAL E NÓS????' VIVEMOS (NUM PAÍS) EM PERMANENTE CRISE?

 

Em 1689, Isaac Newton fez publicar o seu “Principia Mathematica” e as leis de atracção e do movimento aparente dos corpos os quais explicavam a própria gravidade e afastaram o “Grande Relojoeiro” detrás dos fenómenos planetários. A ciência antiga com base em justificações mais ou menos místicas e inexactas, entrou em crise.
Em 1589, mercadores neerlandeses acharam um bolbo, na Turquia, cuja beleza chamou a atenção. Eram tulipas! Levaram várias sementes de regresso aos Países Baixos e todos os neerlandeses começaram a pagar um preço exorbitante pelas plantas mas, dez anos depois, o preço afundou e milhares de famílias ficaram falidas.
Em 1617, o frade agostinho Martinho Lutero afixou nas portas da igreja do Palácio de Wittemberg, um texto com frases muito contundentes para a Igreja por vender indulgências aos crentes com o intuito de financiar a Basílica de São Pedro. A Igreja excomungou Lutero e exigiu uma retratação. Lutero recusou! Nascia assim a primeira grande cisão na Igreja com o surgimento de uma nova corrente a que se chamou: protestantismo.
Crise científica, crise financeira e crise religiosa! Trata-se de três acontecimentos que alteraram muito profundamente convicções, costumes e a visão de toda a sociedade.
Mas, as crises podem tornar-se tão avassaladoras que poderão inclusive estar na origem do nascimento de superpotências como o caso do grupo de cidadãos que, disfarçados de índios, despejou na baía de Boston milhares de quilos de chá numa forma de protesto pela exorbitância dos impostos cobrados pela Coroa inglesa às colónias americanas. Foi assim que 1773 começou a guerra da independência dos Estados Unidos!
Aliás, existe sempre uma crise profunda por detrás de uma guerra.
O mais extraordinário é que a publicação de um único livro pode ter um efeito contundente. Foi o que aconteceu quando Charles Darwin publicou a sua “Origem das Espécies” e demonstrou que os seres vivos são resultado de uma selecção onde sobrevivem os mais aptos e os mais evoluídos. Se o Homem também está incluído então o que fazer com a Bíblia onde se fala da Criação de Adão e Eva, por Deus?


E NÓS???????
Por acaso esta semana o preço dos combustíveis baixou mas nos hipermercados os preços de tudo aumentam todos os dias para não falar já noutros bens essenciais como a água e o gás.
Há quem diga que é da guerra na Ucrânia. Há quem diga que caminhamos alegremente para nova bancarrota mas, francamente, esta parece-me uma ideia falsa (ou será o desejo de alguns?)
O colapso da economia portuguesa em 2020 já tinha sido a maior contracção anual registada desde a queda da monarquia e a mais recente num conjunto de 25 quebras anuais do PIB desde 1910.
No entanto, se considerarmos que o ciclo de uma crise só termina quando o valor do PIB ultrapassa o valor anterior à recessão, os anos de quebras anuais registadas entre 1913 e 2020 transformam-se em mais de meio século de crises, quase metade do período histórico desde a implantação da República.
Nas maiores recessões registadas desde o início do século XX, o colapso de 8,44% da economia portuguesa há dois anos, primeiro ano de pandemia, é a terceira maior crise económica desde 1910. eram até 1940.
A mais devastadora, com uma quebra de 12%, ocorreu no período da 1ª República, entre 1913 e 1918, em virtude de anos agrícolas muito maus e dos impactos da Primeira Guerra Mundial (onde entrámos efectivamente só no começo de 1917 ) e da pandemia da pneumónica, também conhecida como gripe espanhola (a primeira onda iniciou-se em Maio de 1918).
A segunda, em 1935/1936, já ocorreu em plena ditadura, Salazar como chefe do governo desde 1932, e deveu-se ao fim do ciclo do trigo e aos impactos do início da Guerra Civil espanhola.
Se considerarmos a duração dos períodos de regresso do PIB ao nível anterior à sua primeira quebra anual, as duas mais longas crises da economia portuguesa demoraram uma década: a mais antiga iniciou-se em 1913 só terminando em 1922 (quando o PIB superou o nível de 1912) e a mais recente começou em 2009 (logo a seguir à crise financeira mundial) e só terminou em 2018 (quando o PIB ultrapassou o valor de 2008).

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A FEIRA POPULAR

 

A Feira Popular foi inaugurada em 10 de Junho de 1943 em Palhavã, nos terrenos onde hoje estão as instalações da Fundação Calouste Gulbenkian incluídos os magníficos jardins. O objectivo foi o de financiar as férias de crianças carenciadas através da acção social da Fundação "O Século". 

Claro que só me tornei um amante folião da feira, no ano seguinte ou mesmo dois anos mais tarde. ou seja pelos cinco anos. Se fui antes não recordo nada!

Mas, depois chegam as recordações. Quando chegava a Primavera e os dias grandes Chegava a Feira! E aí estava eu tomado por aquela ansiedade até que uma tarde de Maio, o meu pai chegava do trabalho e perguntava à minha mãe:

“Olga, hoje vamos à Feira?”

E pegava em mim:

“Vamos os três andar no carrossel…”

Ena pai que grande notícia. Eu acho que não dizia nada, mas ria e pulava. Era eu a dizer que sim de contentamento. Por vezes já nem jantávamos em casa. Apanhávamos o autocarro cuja paragem ficava em frente à porta de casa que nos deixava a uns duzentos metros mais ou menos. Depois era a pé! Durante o caminho, coitados dos meus pais, tinham de aturar a minha excitação:

“Este rapaz parece uma grafonola! Esteve todo o dia quase sem dizer nada…”

sentenciava a minha mãe perante o sorriso condescendente do meu pai. Sentados os três no banco do primeiro andar do autocarro, o mundo era meu! O avistar dos muros que delimitavam o recinto que mais pareciam muralhas de um castelo, com ameias e tudo, davam em mim aquele ânimo para estugar o passo e passava a ser eu a rebocar os meus pais.

“Vamos ou não?”

E a minha mãe rebocada em cima dos saltos altos no passeio irregular:

“Ó filho ainda me fazes cair, bolas!”

O meu pai travava-me discretamente com uma pressão na mão e sorria. Compradas as entradas num quiosque junto à porta principal, ultrapassado o porteiro. Uff! Entrámos por fim! 

“Ó pai compras os bilhetes para aquele homem os rasgar logo a seguir?”

Não me lembro da resposta se é que houve alguma.

 Aquilo era uma Babilónia!  Luzes, muitas luzes de todas as cores penduradas nuns fios por todo o lado e música muita música, que brotava dumas campânulas no cimo de uns postes, por todo o lado, uma fila de barracas com tudo e mais alguma coisa, bugigangas, brinquedos, utensílios diversos, um mundo de coisas para vender ali logo na primeira rua que ia desembocar: Ohhhhhhhhhhhhh! Maravilha das maravilhas à praça dos carrosséis e dos carrinhos de choque. Mais uma vez pai e mãe rebocados! Normalmente, condescendiam com uma primeira volta no “oito” o meu preferido por ser um carrossel maior, com volta por baixo e por cima e bastante veloz. Se estávamos todos em sintonia na disposição, a minha mãe ia na barquinha de preferência junto a uma girafa e o meu pai de pé ao lado do bicho para me segurar sob o olhar atento da mãe controladora que nunca deixava de sentenciar:

“Alfredo segura bem esse menino!”

O meu pai encolhia os ombros e sorria para mim como quem diz: mulheres… hoje eu entendo! Por vezes num assomo de boa vontade e ainda antes do jantar, uma voltinha nos carrinhos de choque. Tinha de ser àquela hora pois ainda andava pouca gente. Mais tarde, às horas de ponta, a violência aumentava e a pista tornava perigosa a viagem.

Tudo era tão maravilhosamente divertido.

 Lembro-me que num ano apareceu o supra sumo das maravilhas! O “Water Shoot”!!! O “Water Shoot” era uma espécie de mini montanha russa, um carro que levava quatro pessoas e que andava em cima de umas calhas que tinham umas quantas, duas ou três subidas e claro outras tantas descidas para voltar a ganhar balanço suficiente para trepar a seguinte, até que a última descida, ganhava ainda mais velocidade, antes de terminar, e como tudo isto ocorria por cima de um lago artificial, no fim a própria água servia de travagem a esta louca correria pois as calhas mergulhavam discretamente antes da paragem total. A água levantava então à proa e dos lados do carro com o embate e molhava passageiros que surpresos gritavam e esbracejavam alguns bem divertidos, outros talvez nem tanto. Mas, também não havia maneira de evitar uns quantos salpicos bem grossos. Uma viagem no “Water Shoot” era bem mais cara que noutro divertimento, suponho eu, pois tinha de rebocar os meus pais com outra convicção… mas não seria preciso tanto, em noite de boas vontades!

Uma vez, o meu pai atrasou-se lá no armazém onde fazia uma contabilidade, fora de horas, e recebia mais algum, mas não quis estragar a ida já prometida de véspera, telefonou à minha mãe a combinar, ela foi comigo no autocarro do costume e quando chegámos os dois ainda esperámos uma eternidade, a mim pareceu, pelo meu pai que, finalmente, apareceu do outro lado já de bilhetes na mão, um sorriso de orelha a orelha, e um embrulho enorme de papel pardo em forma de triângulo, debaixo do braço.

Beijinhos na mãe, beijo em mim e a minha mãe logo:

“O que é isso?”

O meu pai sorridente:

“Olha, deram-me um bacalhau, lá no armazém!”

A minha mãe em tom de censura:

“Então e agora? Vais andar de bacalhau debaixo do braço aqui na feira?” 

O meu pai contemporizador:

“Ó filha, não faz mal nenhum. Passamos a ser quatro e este tem vantagem. Também não paga bilhete!”

A minha mãe acabou com um sorriso menos amarelo num murmúrio…

“Tens cada uma!”

Era assim o meu pai.

 

O “Water Shoot” lá estava à nossa espera. A fila já era grande mas um pouco de paciência para parecer menos eternidade. Sentámo-nos os três no banco da frente e o bacalhau à frente, entalado entre as pernas do meu pai. Não sei se no banco de trás ia alguém mas, para o caso, não faz diferença. Começamos a deslizar nos carris, devagarinho e aí está a primeira subida, ligeira, e no alto até parece que tudo pára antes da vertigem da descida. 

“Esta ainda não é má…”

Dizia a a minha mãe que sempre temerosa não gostava sobretudo da última. Uma ligeira volta para a esquerda e eis a segunda subida mais pronunciada com, de novo, aquela sensação de que lá no alto o carro podia voltar pelo mesmo caminho. Mas logo se inclinava para uma descida mais veloz ainda do que a primeira…

Ups!!! Estômago a subir pelo peito acima e nós a descer por ali abaixo rumo á curva antes do charco. Cachapuz, pás, blaz, enorme onda para dentro do carro talvez por ir mais pesado à frente e ficámos mais, mas mesmo muito mais, salpicados que o habitual. Ouve-se então a exclamação da minha mãe, sublinhada com um ataque de riso:

“Ó Alfredo que molhaste o bacalhau todo!!!”

E o meu pai, bacalhau entra as pernas com as calças e o embrulho encharcados.

“Olha deixa lá! Já está demolhado…”

Era assim o meu pai!

O regresso a casa era sempre motivo para uma pedinchice muitas vezes satisfeita mas algumas negas que “por hoje, já chega!” e eu lá me convencia!  Mas o sono tinha sempre carrosseís, carrinhos de choque e “water shoots” que duravam até de manhã!