- Boa noite. Vou-me deitar.
- Hoje gostei mais de te ver. Não sei se foi por te ter feito
a barba mas ficaste com um ar mais leve. Mais animado. Menos pesado.
- Menos pesado(?) Deixa-me rir. Depois do que emagreceste
nestes quatro meses, peso é coisa que não tens. Já reparaste na quantidade de
pele que te sobra, nos braços?
- Lá está… é preciso saber interpretar o peso das palavras.
Nem leve é leve. Nem pesado é pesado. Mas, deixemo-nos de charadas. Como foi o
teu dia?
- Hummmmm, normal, perfeitamente normal.
- O que é um dia normal? Chato? Assim, assim? Rotineiro?
- Bem, talvez um pouco disso tudo.
- Ou seja, foi uma seca…
- Lá estás tu com os trocadilhos. Seca sem ser seco…
- Ah! Pois, não tem chovido.
- Não é nada disso. Podia ter chovido e a seca ainda ser
maior.
- Pois… está-se bem!
- Sei que estás a fazer progressos e isso é bom. Optimismo!
Sem perder o sentido da realidade.
- Positivismo lógico, talvez.
- Ai, ai, ai, não me venhas, a esta hora, com filosofias
baratas.
- Caramba, isto é não é filosofia barata. Positivismo lógico
tem a ver com racionalidade, manter a mente aberta, agir em conformidade com o
momento…
- Ah! OK! Já percebi.
- Assim é mais fácil encarar o presente. Sem fasquias demasiado
altas…
- Pois. É como aqueles saltadores em altura. Põem a fasquia
muito alta e depois, bem depois ou a derrubam ou passam por baixo. Derrota, de
qualquer forma.
- De facto, hoje não saímos disto.
- Não saímos de quê?
- Disto. De pôr palavras que não significam exactamente
aquilo para que foram criadas mas que, no fundo, todos compreendemos o que
querem dizer.
- É uma polissemia!
- Pois, será. Sabes que mais, só tu para abrilhantares o meu
dia.
- Ah, isso deve ser da luz. Detesto esse reflexo…
- Eu também. Mas o que está mesmo a apetecer é deitar-me.
- Então boa noite. Dorme bem.
- Obrigado, igualmente.
- Ah! Eu não durmo… quando apagares a luz, vou ficar aqui no
escuro à espera do nascer do dia, à tua espera.
- Amanhã, logo pela manhã bem cedo, voltaremos a ver-nos.
- OK! Até amanhã...