Se alguma dúvida restasse sobre o que está acontecer, e não só ao nosso país, aí está a confirmação. O governo que voltou esta quarta feira a leiloar mais uma emissão de títulos de tesouro (a última deste ano) teve os juros, tanto a seis como a dez anos, próximo dos sete por cento e diz o ministro das finanças que a operação correu bem.
Bom, se isto é correr bem só porque a procura foi, ao que parece, duas vezes superior à oferta, estamos conversados. Mas, o que é facto é que com esta taxa de juro, o país não aguenta muito tempo e, sobretudo, não terá capacidade de voltar ao mercado, em Abril para ir buscar mais uns milhares de milhões de euros.
Este facto, por si só, desloca para uma mera vozearia, descabelada e inconsequente, tudo aquilo que políticos, economistas do costume, alguns ‘opinion makers’ e outras personagens instaladas no poder ou próximas, as verdades que nos têm andado a ‘vender’.
Já estamos cansados de tanta retórica e fartos dos receituários que nos têm sido repetidamente infligidos e que não têm outro efeito senão o de agravarem cada vez mais a situação.
Temos de ser austeros.
Então reduzam-se os salários, aumentem-se os impostos, cortem-se nos apoios e noutras subvenções sociais, peçam-se os sacrifícios a quem sempre se tem sacrificado em ocasiões semelhantes.
Então reduzam-se os salários, aumentem-se os impostos, cortem-se nos apoios e noutras subvenções sociais, peçam-se os sacrifícios a quem sempre se tem sacrificado em ocasiões semelhantes.
É assim que se faz quando, diariamente, comunicação social, redes sociais, ‘sites’ e blogues denunciam gente com nome e rosto conhecidos que continua comodamente instalada nas suas imensas fortunas, de negócios de grande escala e especulativos; gente com rosto e nome conhecidos que ‘escapam’ aos impostos; gente com rosto e nome conhecidos acobertada em lugares cimeiros de empresas públicas e municipais, institutos, fundações e milhares de organismos onde é colocada e depois sustentada, por todos nós, com dezenas quando não centenas de euros mensais em salários e outras ‘benesses’; gente com nome e rosto conhecidos que se retiram com escandalosas reformas de dezenas de milhares de euros, após meia dúzia de anos no activo; gente com nome e rosto conhecidos que são arguidos em processos crimes e recebem chorudas indemnizações quando se vêem forçados à demissão pela dimensão do escândalo ou pela indubitável prova dos crimes; gente com rosto e nome conhecidos que depois de se passear pelos cadeirões dos ministérios e do poder é encaixada em lugares a jeito e a preceito que não servem para nada e que esbulham milhões e milhões de euros ao país; gente com rosto e com nome conhecidos que se pavoneia na via pública porque a justiça não é capaz de funcionar correctamente, nem a deixam funcionar quando pretende ser capaz.
A sociedade está óptima, transformada num imenso coito de grupos de indisfarçados corruptos, de gananciosos sem peso nem medida, de habilidosos sem escrúpulos, de oportunistas confessos, de criminosos impunes, de prestimosos incompetentes, de gente que continua a cultivar o ‘poder do dinheiro’ a qualquer preço, instrumento que tudo parece comprar, até as consciências de quem lhes possa servir os obscuros intentos ou calar as desvergonhas infames.
Dir-se-á que sempre foi assim, como uma fatalidade, desde tempos imemoriais. Que é a lei do mais forte, o que se pode fazer?
Mas, a realidade é que se chegou ao limite do suportável e também é dos tempos imemoriais que sempre houve quem tentasse (e conseguisse) afrontar poderosos, endireitar travessos, castigar perversos, punir criminosos.
Temos de pagar as dívidas? Temos sem dúvida. Mas, como se paga e quem deve pagá-las? E daqui resulta este formato amoral e desigual de o fazer porque estamos a viver tempos em que se espezinham os direitos e se escarnecem dos valores que são autênticos pilares do projecto de sociedade mais justa, mais igualitária e portanto, mais feliz de que nos poderíamos orgulhar de prosseguir.
Se tudo continuar na mesma, nem duas, nem três gerações poupadinhas chegarão para limpar toda a ‘sujidade’ que estes anos acumularam, porque os abutres esses continuarão por aí.