CORAGEM e RESPONSABILIDADE terão sido duas palavras que mais vezes apareceram nas bocas do governo e do grupo parlamentar do partido socialista, nestas últimas semanas, normalmente aplicadas para justificar o que dificilmente pode ser aceite.
Falo, evidentemente, das excepções às regras impostas pelo orçamento de estado e que, a pouco e pouco, têm vindo a ser conhecidas, algumas com indisfarçável incómodo por parte de deputados socialistas, o que até já levou o líder da bancada a colocar em cima da mesa a sua própria demissão caso os deputados ‘rebeldes’ caíssem na tentação de votar favoravelmente o diploma do partido comunista que pretendia tributar os dividendos já em 2010. A isto governo e, pelo menos, o líder socialista Francisco Assis chamou uma irresponsabilidade.
Mas, a aplicação destas duas palavras tem razões mais vastas.
Para o governo e para o ‘pê-esse’ com o ‘pê-esse-dê’ a empurrar, coragem é aumentar os impostos, sobretudo o IVA que é um imposto ‘cego’ como se sabe; coragem é reduzir os salários dos funcionários públicos; coragem é suprimir abonos de família e reduzir outras prestações sociais; coragem é congelar as pensões, mesmos as mais baixas; coragem é aprovar um orçamento ruinoso para o país; CORAGEM é ir eliminando, paulatinamente, os direitos dos mais fracos.
Mas, quando se trata de proteger o capital e os mais fortes então temos RESPONSABILIDADE, a palavra escolhida por este mesmo governo, o mesmo ‘pê-esse’ e o mesmo ‘pê-esse-dê’. Senão vejamos. Responsabilidade é aceitar que as empresas não paguem um cêntimo de imposto depois de terem encaixado milhares de milhões de euros em negócios, alguns deles que até tiveram uma importante ‘mãozinha’ do Estado, como o caso da PT, por exemplo, com a venda do capital que possuía na Vivo, à Telefónica; responsabilidade é o governo ter aberto excepções aos cortes salariais nas empresas públicas, tentando amaciar esta verdade absoluta com a desculpa esfarrapada de que são dimensões diferentes e portanto caberá às administrações dessas empresas decidir os cortes salariais que vão fazer, como por exemplo a TAP que pela voz do seu presidente já veio dizer que não fará qualquer corte nos salários dos funcionários; responsabilidade é o governo assistir, sem uma palavra de reprovação, às intenções do governador regional dos Açores, Carlos César, um camarada de partido, de ir buscar dinheiro a outras rubricas do orçamento da região para subsidiar os cortes que os funcionários públicos das instituições açorianas estão sujeitos; responsabilidade é permitir que os deputados socialistas eleitos na Madeira queiram votar o mesmo critério dos açorianos, para os funcionários públicos madeirenses; responsabilidade é recuar no princípio de acumulação de pensões e reformas, sobretudo sabendo-se o que se passa com as grandes pensões e as grandes reformas; responsabilidade é o governo, para salvar o défice, colocar-se nas mãos da PT, com a ‘nacionalização’ do seu fundo de pensões comprometendo no futuro, e ainda mais, a ‘tal’ sustentabilidade da segurança social e da caixa geral de aposentações; responsabilidade é o governo assistir, sem uma medida extraordinária, a que quatro ou cinco empresas cotadas na bolsa façam uma antecipação de dividendos, no valor superior a mil milhões de euros, para escaparem ao pagamento do imposto que entra em vigor a 2011.
Como se pode perceber, por estes exemplos, o governo, o ‘pê-esse’ utilizam CORAGEM quando o que percebemos depois é que se tem atacado cobardemente aqueles que são mais fracos ou todos os que estão impossibilitados de, através de habilidades, escaparem às suas obrigações fiscais e sociais. Mas, estes mesmos senhores utilizam RESPONSABILIDADE quando se tornam, eles próprios, o instrumento de injustiças quer através de excepções declaradas a posteriori invocando falsas razões POR NÃO TEREM A CORAGEM de afrontar os grandes, nem de dizer o que de facto está por detrás destas ‘cobardias’.
Seria bom, a bem da língua portuguesa, que estes senhores fossem a um qualquer dicionário e ler o que está lá escrito sobre CORAGEM (bravura, audácia, intrepidez, arrojo) e RESPONSABILIDADE (sentido do dever, respeito pelo compromisso).
O que se passa é que, como não têm dicionário, confundem as coisas e depois dizem disparates porque o que lhes falta é coragem para serem responsáveis.