Andava às voltas, na semiobscuridade do quarto e quando se reflectia no espelho da porta do roupeiro, parava a olhar esse vulto de fantasma sem sono.
Os fantasmas não têm sono! Tanto que só andam de noite e, de preferência, no escuro. Por isso, ou dormem durante o dia ou não dormem de todo. E, se não dormem é porque não têm sono!
Acabava por se deixar cair, pesadamente de costas, no sítio onde o colchão que lhe servia de cama, devia estar.
Era uma daquelas quedas que se vê nos filmes mas nesses não se vê o colchão para dar a sensação de queda fatal---
Já tentara, por várias vezes, alguns truques para adormecer mas não conseguia...tinha de lhe telefonar ainda.
Sabia que era tarde... nem olhava para o relógio digital em cima da mesa baixa ao lado do candeeiro com a lâmpada à vista e o quebra-luz meio amolgado, no chão.
Ela atendia sempre ao terceiro ou quarto toques.
Voz quente meio ensonada. Quase murmúrio. "És tu.....?"
Ele respondia numa breve hesitação: "Sim....desculpa!
E ela: "Não tem importância......diz....."
E ele dizia uma série de disparates enquanto lhe adivinhava um sorriso ou, por vezes, um bocejo de espanto.
Quanto tempo estava naquilo? Falava. Apenas, falava..
Depois, no receio de que, entretanto, ela tivesse adormecido, despedia-se: "Até amanhã; desculpa. Precisava mesmo de falar contigo". Umas vezes terminava com um beijo.
Desligava, sem sequer esperar por resposta.
Era assim. E, no entanto, nunca estivera com ela!
Trocaram amizade na rede social e mensagens no chat, ate que uma vez, trocaram números de telemóvel....foi assim que tudo começou. Só que nunca se iriam encontrar.
Ele só queria conversar...apaixonara-se por aquela voz calma, suave, linda assim ensonada.
Era tudo! Preferia continuar fantasma sem sono.