Não, não estou a ficar senil nem perdi o razoável da razão. Estou a limitar-me a discorrer sobre os "12 segredos da Língua Portuguesa" de Marco Neves, professor, conservador, tradutor, revisor e recentemente autor deste livro que ando a ler cada vez com maior interesse.
Portugal é um país que muitos apontam de monolinguismo, em contraste, por exemplo, com Espanha, caldo de línguas e nomes de línguas.
A verdade é que, mesmo se usarmos o mais apertado dos critérios para contar línguas, em Portugal temos duas línguas nativas: o português e o mirandês, que é reconhecido oficialmente desde há uns anos.
Ora, mesmo as fronteiras destas duas línguas são difíceis de definir: será que o português e o galego são a mesma língua? Será que o mirandês é apenas uma variedade duma língua maior (o leonês — ou asturiano)?
Apresento-vos as 10 línguas do nosso país que muitos ainda acham ser um país de um só idioma:
- Português. Já falámos muito da língua portuguesa por isso, só duas notas: é oficial há muito tempo (embora não há tanto tempo como se pensa) e há quem lhe chame galego mas as provocações ficam por aqui.
- Língua Gestual Portuguesa. É uma língua a sério e nem sequer tem muito a ver com o nosso português oral. Por exemplo, enquanto portugueses e brasileiros se entendem em português (tem dias), os surdos brasileiros usam uma língua gestual muito diferente. Da mesma forma, a língua gestual portuguesa pouco tem a ver com a espanhola nem se pode dizer que seja uma língua latina. As relações entre as línguas gestuais são outras e cada uma tem um vocabulário, uma gramática e normas próprias. Pasmem agora: esta língua é referida pelo nome na nossa constituição (algo que nem o mirandês consegue).
- Mirandês, língua falada por uns quantos milhares de pessoas num canto do país. Haverá quem não perceba para que serve preservar à força um falar antigo inútil mas, já agora, há um projecto de tradução de inglês para mirandês pedido por um japonês. E, surgiu a Mensagem de Fernando Pessoa em mirandês. O mundo é estranho.
- Cabo-verdiano (ou «kabuverdianu»). No dia-a-dia, chamamos-lhe crioulo (que, no fundo, não é o nome da língua, mas antes o tipo de língua). O cabo-verdiano tem regras como qualquer língua, vocabulário próprio e que já começa a ter alguns dicionários e gramáticas; no entanto, ainda não é oficial em Cabo Verde. Em Portugal, é falado por imigrantes e portugueses de origem cabo-verdiana. O número de falantes em Portugal chega a 200 000 pessoas.
- Barranquenho. Este falar alentejano, ali espetado quase no meio da Andaluzia, já foi estudado por um grande linguista, José Leite de Vasconcelos. Muitos associam a terra a confusões tauromáquicas, mas é também um município com uma língua própria, pelo menos assim à primeira vista, os naturais de Barrancos falam "barranquenho".
- Minderico. Esta é uma língua curiosa, falada ali no meio da Serra de Aire e Candeeiros. Começou como código secreto para que comerciantes comunicassem sem que ninguém percebesse. Com o andar dos anos, transformou-se num falar usado por muita gente, em todos os contextos sociais, nessas comunidades serranas. Muitos acharão um excesso para lá do razoável incluir este falar numa lista de línguas. Mas está no Ethnologue e tem um código ISO próprio.
- Caló português. Esta é a língua de muitos ciganos, que terá uma base portuguesa e muito vocabulário proveniente do romani. Segundo o Ethnologue, é falada por umas 5000 pessoas, em Portugal, e está relacionada intimamente com o caló espanhol, o caló catalão, entre outros.
- Romani. Esta é a língua indo-iraniana de muitos ciganos europeus. Se a maior parte dos ciganos portugueses falarão em caló (quando não estão a falar em português, claro está), diz o Ethnologue que há umas 500 pessoas a falar romani em Portugal. Ou seja: temos portugueses que falam uma língua aparentada com o persa. Curioso, não é?
- Galego. Prova de que a divisão entre o galego e o português tem muito que se lhe diga e o Ethnologue acha que há zonas de Portugal, encostadas à fronteira, que falam galego pois a fronteira linguística entre Portugal e a Galiza é muito porosa. Muito mais do que alguns portugueses imaginam.
- Asturiano. Da mesma forma, também não sei por que razão o Ethnologue põe o asturiano como língua de Portugal. Afinal, o asturiano tem um nome próprio por estas bandas: é o mirandês e ninguém se chateia com isso. Será que considera um dos dialectos do mirandês como «mirandês padrão» e outro, talvez o sendinense? como asturiano? Sim: o mirandês tem vários dialectos.