domingo, 24 de abril de 2022

CADERNOS DA ILHA - 2

 

A noite passada naquele preciso instante antes de adormecer, levei-te comigo no sonho que ia ter. E sonhei, sonhei e sonhei.
Esta manhã naquele preciso instante antes de acordar, despedi-me de ti ainda a sonhar. E amei, amei e amei.
Telefonava-lhe a meio da noite sem se importar com a hora, só porque precisava de falar. Ela acordava num sobressalto e então ele dizia: "Sou ... eu". Ela, do outro lado, num murmúrio que mais parecia uma súplica:

"Diz lá... ". Umas vezes ele falava um monte de coisas, outras lia mais um capítulo, páginas ao acaso, frases que acabara de escrever. Ela ficava a ouvir, num silêncio dormente e, de repente, desligava sem se despedir.
Foram meses de noites sim, noite não. Nunca falavam durante o dia. Ele dormia toda a tarde. Só gostava de escrever à noite. Depois, quando ele acabou o livro mandou-lhe um maço de folhas A4 num dossier de capa amarelo estafado pelo tempo e pela humidade, sem título.
Deixou de lhe telefonar. Tinha tudo escrito. Já não precisava de falar.
Ela arranjou um novo namorado.