domingo, 19 de setembro de 2010

Retratos da Vida (Les uns et les autres)

Já há algum tempo que tinha decidido ir aos arrumos, cá em casa, para dar uma ordem a algumas coisas pessoais que ficaram por lá amontoadas desde a última mudança, como por exemplo fotos antigas de família, de amigos, de viagens e outros eventos, dispersas por arquivos sem ordem, caixas de sapatos e até sacos de papel e plástico. Depois, sabia que um monte de agendas de vários anos tinham várias notas que se tornaram mais importantes por motivos diversos, inclusivé com alguns escritos que poderia aproveitar para este blogue. Páginas e páginas anotadas, poemas, pensamentos, frases soltas, eu sei lá. Livros, catálogos, folhetos, revistas, enfim tudo o que vamos juntando ao longo de anos e anos e, assim como que um chamamento nos obriga a pôr uma ordem que torne mais fácil acedermos aos assuntos, quando julgarmos necessário.

Pois bem...para abreviar um pouco. Comecei a folhear algumas das agendas e eis que, quase por acaso, na agenda de 1981, precisamente a 19 de Setembro, encontro meio rasgado e esfarelado, pelo tempo e humidade, parte de um bilhete do cinema Star (lembro-me que ficava na avenida Guerra Junqueiro no local onde penso que estão agora as lojas C&A), para um filme - Retratos da Vida - ou melhor, como aliás sempre ficaria para a história, LES UNS ET LES AUTRES.

Esta é a explicação pela qual resolvi escrever aqui sobre isso. Porque, para além do filme de Lelouch ser uma peça bastante bem elaborada, o argumento interessante e servido com uma banda sonora fantástica...o celebrado Bolero de maurice Ravel que eu gosto bastante.

O filme começa e acaba com a sequência que o havia de tornar famoso – e até influenciar o título em diversos países, o simplesmente Bolero, conseguindo que as quatro narrativas principais, que correspondem aos quatro países onde o filme tem lugar, num perfeito enquadramento, parte histórico, parte ficcionado.

Em vésperas da 2ª Guerra Mundial, as Folies Bergères deslumbram; a orquestra de Jack Glenn (homenagem a Glenn Miller), anima os Estados Unidos; um jovem e brilhante pianista alemão toca para um espectador importante, o Führer; duas meninas dançam ao som do Bolero, no Bolshoi, perante o júri que havia de seleccionar, uma delas, para prima ballerina da companhia; o romance entre a resignada preterida, Tatiana e um dos membros do júri, Boris, que parece começar a colorir o filme; enquanto que o nascimento de Sarah, fruto do casamento de Simon e Anne e a gravidez de Magda ilustram a universalidade da condição humana.

Uma vez iniciada a 2ª Grande Guerra, tudo se torna subitamente mais sombrio e a voz de Evelyne ouve-se suavemente em 'Paris des Autres', na véspera de Ano Novo de 1941 que ninguém parece ter muita vontade de comemorar.

A deportação de Simon, Anne e o bebé destes para o campos de concentração de Dachau; a mobilização de Boris para a frente de batalha; o magnífico bailado que Tatiana oferece aos soldados russos; o descrédito de Karl e Magda pelo regime Nazi e a entrada dos Estados Unidos na guerra fazendo Jack Glenn partir também.

A invasão de Paris pelas tropas alemãs é acompanhada pela música composta por Karl e encomendada por Hitler, mas segundo Magda, onde se começa a notar alguma desafinação.

'Les Uns et les Autres' é-nos posto um filme «simples com pessoas como nós, vivendo com sensibilidade extrema um período conturbado e é com este aparente despretensiosismo de Claude Lelouch que as quatro narrativas se desenrolam harmoniosamente, acabando por convergir numa só, numa iniciativa pela paz (o evento Unicef) onde todos se encontram e reencontram ligados pela dança e pela música, no fundo o 'cimento' que sempre uniu, embora de forma paralela, as suas vidas.

A Torre Eiffel é o cenário na cidade escolhida como um símbolo da Paz, só possível na sua total plenitude quando todos cooperam nesse desiderato.

Para além das excelentes realização e produção cinematográficas, o filme tinha um elenco de luxo, com verdadeiras 'estrêlas': Robert Hossein, Geraldine Chaplin; James Caan; Jorge Donn (o grande bailarino); Évelyne Bouix; Raymond Pellegrin; Jean-Claude Brialy; Fanny Ardant; Jacques Villeret; Nicole Croisille; e alguns mais.

Recordar 'Les Uns et les Autres' é lembrar um bom filme, mas também trazer à memória, os tempos, os locais, as circunstâncias... já passaram quase 30 anos.