domingo, 1 de maio de 2011

Poema à mãe, de Eugénio de Andrade

No mais fundo de ti, eu sei que traí, mãe!
Tudo porque já não sou o retrato adormecido no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!
Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura!
Mas tu esqueceste muita coisa! 

Esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração ficou enorme, mãe!
Mas - tu sabes! - a noite é enorme e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura, dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
                                                                      Guardo a tua voz dentro de mim.
                                                                      E deixo-te as rosas...