quinta-feira, 20 de outubro de 2011

As Gorduras do Sr. Gaspar

O senhor Gaspar tem aquele ar de pessoa muito, mas mesmo muito discreta e ponderada, que quando se vai deitar coloca teimosamente o sapatinho do pé direito à direita do esquerdo, a peuguinha do pé direito dentro do sapatinho do pé direito e a outra, a esquerda no respectivo sapatinho, assim alinhadinhos ao lado da cama em cima do tapete, isto claro está, depois de ter cuidadosamente pendurado o casaco no cabide e dobrado impecavelmente as calças pelo meio das pernas com atenção redobrada à forma como ficam os impecáveis vincos. A camisa, claro está, ligeiramente transpirada pela azáfama diária estará menos cuidada mas nem por isso merecerá ficar desprezada numa rodilha no chão. Nada disso! E quanto a gravata, pendurada uma vez desfeito o nó com toda a temperança para que o sítio do dito que quase lhe estrangulou o pescoço durante o dia, fique imaculado.
Logo que tive a infinita felicidade de o ver e ouvir, pela primeira vez, na assembleia da república explicando qual foi a sua interpretação sobre o ‘desvio blá, blá, blá, COLOSSAL’ que o senhor Coelho terá pronunciado numa qualquer reunião de ‘família’, deixou logo no meu espírito aquela tranquilidade que só o senhor Paulo Bento conseguia transmitir-me no final dos jogos em que, quase sempre, o meu Sporting perdia.
Numa palavra, fiquei encantado! 
Por isso fiquei a aguardar, com aquela tranquilidade com que normalmente os crentes esperam milagres e com aquela infinita admiração que nutro pelos heróis que se lançam solitariamente em oceânicas tempestades num bote a remos sem remos.
E, o senhor Gaspar apareceu, recentemente, à hora do jantar para explicitar o programa de emagrecimento, na sequência, aliás, de inúmeras intervenções sobre a matéria. E aí está. Fiquei a saber uma coisa muito mais importante. 
Então quem são os gordos? A resposta é simples, clara, transparente: os funcionários públicos e os pensionistas.
Os funcionários públicos, não obstante, já terem perdido quilos, durante anos e anos, imagine-se ainda têm mais quinze por cento de gorduras que os trabalhadores privados e além de continuarem gordos, ainda por cima têm uma invejável estabilidade laboral que lhes permite continuarem a engordar se nada for feito!
Gordos são também os pensionistas sem excepção! É preciso explicar que os pensionistas que mais precisam de emagrecer são, na sua esmagadora maioria, idosos que trabalharam uma vida inteira e descontaram para terem agora a correspondente retribuição daquilo que o estado em seu nome foi amealhando que na sua esmagadora maioria é pouco. Quer dizer, aquilo que descontaram, não chega para lhes pagar por isso estão gordos. A solução está à vista. Como são velhotes, e a ciência e a medicina têm feito tantos milagres no prolongamento da vida, tira-se ainda mais ao pouco que já auferem e para que não haja dúvidas sobre a eficácia, aumentam-se as taxas dos cuidados de saúde, dos medicamentos, etc. Assim, com menores reformas e prestações de cuidados de saúde, medicamentos e alimentação mais caros, é óbvio que os velhotes vão emagrecer. Alguns morrerão, com certeza, coma  cura. Paciência!
Gordos são também os doentes porque verão aumentar as taxas moderadoras das urgências, das consultas nos centros de saúde, do internamento hospitalar, dos exames médicos de diagnóstico e outros, reduzem-se os transplantes e em breve o estado terá muito menos gorduras nesse aspecto e muitos não resistirão não porque os matem mas apenas porque deixarão de ter possibilidade de viver.
Obesa está a Educação e a Ciência. Deixará de ser necessário investir  porque se nos últimos anos saíram das nossas universidades, tantos jovens qualificados que agora ou não arranjam emprego ou têm de emigrar para terem ocupações e salários compatíveis com as competências adquiridas para quê então andar a gastar na educação se depois são os outros que aproveitam?
Gordos estão os transportes públicos por isso a cura vai trazer benefícios a todos que, com os aumentos dos passes e dos bilhetes e o desaparecimento de inúmeros percursos, passaremos a andar a pé o que só faz bem à saúde, até porque com os aumentos dos combustíveis, mais portagens nas SCUT, etc, alternativas...talvez bicicleta, já dizia o Eça, o único veículo em que a besta puxa sentada.
Pois identificados, assim, os verdadeiros gordos, não sei o que se passou com os outros gordos tais como: consumos intermédios, institutos, fundações, organismos fantasmas, parcerias publico privado, frotas de carros desmesuradamente grandes, duplicações e triplicações de funções burocráticas que eram tão fáceis de eliminar ou de reduzir praticamente ao nada. Esqueceu-se o senhor Gaspar de os mencionar? Não sei. O que sei é eu não ouvi uma palavra sobre isso e isso até tinha o fantástico e redentor nome de ‘reformas estruturais’.
Sobre as vistosas adiposidades do senhor Jardim, nem uma palavra sobre como preconiza o senhor Gaspar que a sua dieta deva ser conduzida. Nem é preciso! Já percebemos que são os gordos do continente que pagam a factura. Pois.
Curiosamente, com a denúncia dos gordos ficámos a saber quem são os magros, quem está pele e osso. Banqueiros, financeiros, grandes fortunas, que segundo o senhor Gaspar não necessitam de grande dieta. Apenas uns cuidadinhos de somenos importância. Se calhar até vão é tomar umas vitaminazinhas porque de facto não parece nada bem apresentarem-se assim tão esqueléticos.   
E, foi assim que ficámos a conhecer através da voz tranquila, do discurso arrumadinho, do nó de gravata impecável do senhor Gaspar, como nos próximos dois anos ficaremos tão elegantes que quando nos virmos ao espelho, de frente parecerá que estamos de lado porque se nos pusermos de lado em frente do dito, simplesmente não nos veremos mais.
Curioso, tinha pensado escrever um artigo sobre o orçamento do estado e perdi-me. 
E tudo porque simpatizo imenso com o senhor Gaspar. 
Ficará para a próxima.