segunda-feira, 9 de março de 2015

ESPELHO MEU, ESPELHO MEU


HOJE, QUANDO ACORDOU, O PEDRO dirigiu-se, como o faz todas as manhãs aliás, à sala de banho para o chichizinho matinal, desfazer a barba, tomar o duchezinho matinal e escovar os dentes antes de voltar às três esguichadelas do Essencial, a colónia que deixa aquele rasto picante, antes de vestir a camisinha branca, o fatinho escuro e colocar a gravata vermelha, lisa.

Mas, dizia eu, o Pedro fez o chichizinho puxou o autoclismo depois de se certificar que não havia pingos fora da sanita e, quando se colocou em frente ao espelho, por cima do lavatório, deu um grito abafado de surpresa. Do outro lado da parede, estava o primeiro ministro, sem óculos como ele, com o mesmo pijama azul com riscas que ele vestia e olhava para ele com ar reprovador.
- Pedro, disse o primeiro ministro, ainda bem que te apanho. Ó pá, porra, como é que tu foste capaz de ter deixado durante tanto tempo, as contribuições para a segurança social por pagar?

O Pedro ia alinhar uma desculpa qualquer mas o primeiro ministro nem deu tempo.
- Claro! Tinha de sobrar para mim, cidadão acima de qualquer suspeita e eu agora que e desenrasque. Já quando foi aquela merda da Tecnoforma também me fizeste fazer figura de parvo na Assembleia com a comunagem toda a tirar-me a pele mais aquele gajo do Tó Zé a desafiar-me, coitado do Tó Zé que já nem se ouve falar dele. 
O Pedro bem quis dizer qualquer coisa mas nada lhe saíu a não ser um murmúrio desconsolado. O primeiro ministro voltou à carga.
- Que seja a última vez! - quase gritou de dedo espetado - Não estou para andar para aqui a ouvir que sou isto e aquilo, um autêntico algoz para os desgraçados que nem sequer têm um 'tusto', ainda por cima com o IMI à porta e que IMI e tu não pagaste quando devias, salvaste-te de umas execuções fiscais, nem sabes quanto tinhas a pagar, desculpas esfarrapadas que não justificam coisa alguma e eu, ó suprema humilhação, ainda por cima tive de ir a Belém contar tudo ao velho. Caraças pá!
Quando desceu para apanhar o carro que o devia levar para o trabalho ainda ia branco como a cal e muito nervoso, tanto que o motorista perguntou:
- Vexa sente-se bem?
-Sim, sim,,,-balbuciou o Pedro. Vamos embora! Sabes, é que estive a falar com o primeiro ministro...ao espelho!
O motorista limitou-se a olhar pelo espelho e com um encolher de ombros discreto, engatou a primeira e arrancou...